Furtar para beber
Ao ler o título do artigo (Furtar para Beber), publicado hoje por Augusto de Arruda Botelho no Uol, achei que o ex-advogado da Odebrecht havia parido uma nova tese para aliviar a barra de Lula. Furtar a Petrobras para beber é uma hipótese plausível e com amplo apelo popular, especialmente em ano eleitoral. Ao ler o texto, porém, veio a decepção...
Ao ler o título do artigo (Furtar para Beber), publicado hoje por Augusto de Arruda Botelho no Uol, achei que o ex-advogado da Odebrecht havia parido uma nova tese para aliviar a barra de Lula. Furtar a Petrobras para beber é uma hipótese plausível e com amplo apelo popular, especialmente em ano eleitoral. Ao ler o texto, porém, veio a decepção.
Botelho apenas repete platitudes sobre a necessária e “urgente revisão” do sistema judicial e cita o exemplo da mulher que ficou presa por quatro meses acusada de roubar três baldes d`água e conseguiu a liberdade após decisão de Alexandre de Moraes.
“Como o guardião da Constituição diariamente julga o furto de água, de pedaços de carne, o furto de um alicate, de latas de leite condensado, o porte de ínfima quantidade de droga e por aí vai? (…) Que mundo perverso é esse onde pessoas que se investem da responsabilidade de julgar o outro não têm o cuidado de ver que atrás do número de um processo tem um pai, tem uma mãe, tem um filho, tem um alguém?”, escreve o empático rapaz.
De fato, é nauseante que o Supremo não se restrinja ao papel de corte constitucional e tenha se transformado em “editor do país”, conforme disse Dias Toffoli, o mesmo que instaurou, de ofício, um inquérito sem objeto definido e usado para censurar a imprensa e constranger críticos. É triste ver a jurisprudência sendo modificada ao sabor das conveniências.
Sempre bom lembrar que o Supremo confirmou por ao menos nove vezes a competência de Moro nos casos de Lula, antes de mudar de entendimento e declará-lo “incompetente”. O resultado? Milhares provas, testemunhos e horas de trabalho de policiais, procuradores e juízes foram para o lixo — assim como o dinheiro do pagador de impostos.
Boa parte dessas horas, aliás, foram gastas com análise privilegiada de mais de 400 recursos apresentados pela defesa de Lula no caso triplex, representando um verdadeiro sequestro do Judiciário. Horas que poderiam ter sido usadas para resolver casos de milhares de brasileiros, como o da mulher que furtou água. Mas ela, infelizmente, não tem como pagar advogados caros, como Botelho.
O ex-advogado da Odebrecht desfruta de acesso privilegiado às cortes superiores, assim como outros integrantes do Prerrogativas, para os quais “se o crime já aconteceu de que adianta punir?”. Ele não está verdadeiramente interessado no caso da mulher que furtou água, apenas joga para a torcida, como animador que é.
Dias atrás, desafiou Moro a debater com sua turma a proposta da campanha do ex-juiz para reformar o Judiciário, mesmo sem conhecê-la. Se tivesse a curiosidade, acabaria encontrando ali várias respostas para tornar a tramitação dos processos mais ágil, previsível e menos custosa. Ao contrário de Botelho, o grupo morista não propõe “mudanças estruturais”, que exigiriam projetos de lei oriundos do próprio Judiciário.
Conforme publicou a Gazeta do Povo, são ideias de mudanças de gestão pública e aperfeiçoamento regulatório, inclusive aproveitando projetos em tramitação no Congresso.
São várias as propostas, que vão muito além da área criminal e incluem resolução de conflitos por meio da arbitragem, reforço do sistema de precedentes e estímulo à solução dos casos de forma coletiva, além de aprimoramento da atuação das agências reguladoras, impulsionamento da regularização fundiária e garantia do direito à moradia, avanço na adoção, pelas empresas, de programas de conformidade (compliance) e de inserção no modelo ESG (environmental, social and governance), de práticas socialmente responsáveis, sustentáveis e corretamente gerenciadas.
A verdade é que o sistema colapsou. Em 2020, por exemplo, o Judiciário consumiu R$ 100 bilhões e terminou com 75,4 milhões de processos em tramitação, sendo 27,1 milhões (36%) de processos de execução fiscal e dívidas tributárias, não pagas pelo contribuinte pela via administrativa, junto a órgãos públicos — os grandes vilões do inchaço e da sobrecarga do Judiciário, segundo o mesmo CNJ.
O debate sobre o Judiciário é uma urgência, sem dúvida, mas deve ser feito de forma ampla pela sociedade. Não por um clube de charuto e vinho.
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