A MP das redes sociais merecia debate
Está cada vez mais difícil analisar assuntos jurídicos no Brasil de forma minimamente descontaminada da política. Se o lema do governo é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, decerto a política já está acima de qualquer divindade, se não for sua razão de existir. A Medida provisória 1.068/21, alcunhada de "MP das Fake News", é um bom exemplo disso. Foi politizada ao extremo durante a semana, e seu conteúdo, que permite interessante discussão sobre o exercício das liberdades de expressão nas redes, foi deixado em segundo plano, ou tratado de forma superficial...
Está cada vez mais difícil analisar assuntos jurídicos no Brasil de forma minimamente descontaminada da política. Se o lema do governo é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, decerto a política já está acima de qualquer divindade, se não for sua razão de existir.
A Medida provisória 1.068/21, alcunhada de “MP das Fake News”, é um bom exemplo disso. Foi politizada ao extremo durante a semana, e seu conteúdo, que permite interessante discussão sobre o exercício das liberdades de expressão nas redes, foi deixado em segundo plano, ou tratado de forma superficial.
A MP não impede totalmente que as plataformas regulem o conteúdo dos usuários, como se tem dito; permite a elas uma espécie de licença seletiva. Temas afeitos a direitos autorais, pornografia, drogas e violência podem ser regulados; conteúdos opinativos, como religião, ideologia, ficam a cargo do Judiciário.
Claro, o texto é falho, tem áreas cinzentas mal construídas, o que pode ser facilmente detectado. Basta questionarmos: e quando o conteúdo ideológico for pornográfico, ou o religioso for violento? Ou ainda, vale a piada, quando a opinião for uma droga?
A MP também traz à baila uma discussão séria e antiga: queremos dar às plataformas poder de censura sobre o conteúdo dos usuários?
Não adianta nos reportarmos às experiências de outros países. Estamos no Brasil, em um país tão autoritário que o Judiciário ainda se arvora a determinar que se tarje de preto nome de políticos em matérias jornalísticas.
Aqui o buraco é mais embaixo, e o assunto precisa ser melhor discutido com a sociedade.
Se, por um lado, ninguém quer dar corda em robôs, ou palanque a malucos que proliferam desinformação, por outro, a aceitação de uma censura justificada em boa intenção de empresas privadas, uma espécie de “censura do bem”, é algo temerário.
O debate é bom. No entanto, não está sendo feito, reféns que estamos da politização do tema.
Publicada na calada da noite, e vinda do fundo do poço do governo Bolsonaro, a medida teve inequívoco intuito de sinalizar às grandes plataformas que o governo não tolera restrições à propaganda de sua militância nas redes.
O recado, dado às vésperas das manifestações do dia 7, naturalmente causou alvoroço, tendo efeito similar ao de um elefante – ou outro animal com orelhas também grandes e compridas – em uma loja de cristais.
Sem que fosse maturada, sem nenhum cuidado procedimental, e sob uma urgência inexistente, à medida não restará outro fim senão o de ser devolvida pelo Congresso, ou rechaçada pelo STF.
A oposição está cuidando disso, e esse é seu papel político. Ao governo restarão como despojos de guerra os aplausos de seu séquito, sempre ávido por demonstrações de força.
No frigir dos ovos, a MP serviu aos políticos, engolfou a discussão jurídica, confundiu todo mundo, não promoveu debate algum, e da mesma forma desajeitada que entrou em cena dela sairá.
Quem sabe um dia o assunto volte e seja tratado da forma que merece. Por enquanto, ficará de castigo, virado para a parede, pensando no que fez até se arrepender de sua performance atabalhoada. E na companhia de seu autor, que parece estar mais ou menos na mesma situação.
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