O tuíte de Anderson Torres e a balcanização da PF
A politização da Polícia Federal é fato consumado, como demonstra o tuíte de ontem à noite do ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, a quem a corporação está subordinada administrativamente. Como noticiamos, ele postou o seguinte:"Como sabe o Ministro @rsallesmma, reitero meu apoio à atual política ambiental do @mmeioambiente no gov @jairbolsonaro. Como falei em meu discurso hoje, sou contrário às políticas ambientais 'de há muito tempo', pois estas, sim, sempre foram dominadas por questões ideológicas". Anderson Torres, em cuja esfera está a PF, manifestou apoio público a um investigado pela PF: o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, suspeito de envolvimento num esquema de contrabando de madeira extraída ilegalmente da Amazônia...
A politização da Polícia Federal é fato consumado, como demonstra o tuíte de ontem à noite do ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, a quem a corporação está subordinada administrativamente. Como noticiamos, ele postou o seguinte:“Como sabe o Ministro @rsallesmma, reitero meu apoio à atual política ambiental do @mmeioambiente no gov @jairbolsonaro. Como falei em meu discurso hoje, sou contrário às políticas ambientais ‘de há muito tempo’, pois estas, sim, sempre foram dominadas por questões ideológicas”.
Anderson Torres, em cuja esfera está a PF, manifestou apoio público a um investigado pela PF: o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, suspeito de envolvimento num esquema de contrabando de madeira extraída ilegalmente da Amazônia. O tuíte do ministro não tem nada a ver com política ambiental. É demonstração de lealdade canina ao seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, que tem em Ricardo Salles um dos seus ministros preferidos pelas posições ideológicas (e talvez pecuniárias, de acordo com investigadores) que vão na contramão do bom senso. A postagem também é recado interno, com evidente intenção de constranger o trabalho dos policiais encarregados de prosseguir nas averiguações sobre as supostas ligações perigosas entre as decisões de Ricardo Salles e seus negócios particulares.
É preciso lembrar que Anderson Torres não é ministro da Justiça oriundo de carreiras jurídicas, mas delegado da própria Polícia Federal com currículo político: foi chefe de gabinete do deputado federal Fernando Francischini e secretário de Segurança Pública do governador do Distrito Federal. A biografia contribui para borrar ainda mais fronteiras que deveriam estar bem delineadas e das quais Anderson Torres, pelo visto, não faz questão de salvar nem mesmo as aparências.
Há duas semanas, a Crusoé publicou uma reportagem de capa que mostrava como Jair Bolsonaro já havia conseguido dominar politicamente a Polícia Federal, como disse que ia fazê-lo por ocasião da demissão de Sergio Moro (leia a íntegra aqui, aberta para não assinantes). A revista afirmou que a escolha do novo diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, significou “um passo adiante no plano de Jair Bolsonaro para dominar a corporação. De perfil político, o delegado ocupou cargos em governos estaduais por indicação de caciques evangélicos e exerceu funções de confiança em tribunais superiores. Pouco mais de um mês à frente do cargo, Maiurino quer mudar alguns procedimentos já consagrados na instituição. Ele pretende, por exemplo, retirar dos delegados a autonomia para conduzirem sozinhos investigações contra autoridades com foro privilegiado, como ministros do governo e do Judiciário. Pela proposta do novo diretor, os inquéritos destinados a apurar suspeitas sobre essas autoridades seriam ‘concentrados no órgão central da Polícia Federal, nos moldes da estrutura utilizada pela Procuradoria-Geral da República’. A ideia é clara: estabelecer um controle, na cúpula, sobre as investigações mais sensíveis que estiverem em curso. Como não é possível dizer isso de maneira explícita, o jeito é lapidar o argumento para parecer algo natural. Maiurino, ao defender a mudança, diz que as posições dos delegados precisam ser uma posição ‘institucional’ da Polícia Federal”.
O plano, diza revista, tem relação direta com o fato de um delegado da PF ter recorrido diretamente ao STF para pedir a abertura de investigações sobre a suposta venda de sentenças da parte do ministro Dias Toffoli, como relatado por Sérgio Cabral no acordo de colaboração premiada que acabou anulado no Supremo. Mas a revista aponta que as investigações conduzidas sobre Ricardo Salles e as suas repercussões têm peso importante na decisão de colocar rédeas curtas na Polícia Federal. “Também nesse caso, a ação policial foi conduzida por um único delegado e deflagrada sem que o alto comando da PF soubesse. As duas investigações – a do ministro do Supremo e a de Salles – se enquadram no perfil daquelas sobre as quais o diretor-geral quer ter mais controle”.
O tuíte de Anderson Torres é prova de tudo o que a Crusoé publicou. Mas assistimos a essa história antes, durante a presidência de Lula, quando os petistas controlaram a PF e ela acabou balcanizada. A balcanização da PF, ou a sua divisão em facções políticas, foi superada com a Lava Jato. Pelas mãos de Jair Bolsonaro, o fenômeno voltará a ocorrer. Isso significa que sempre haverá um lado que parece mais fraco disposto a atingir o outro que parece mais forte, por meio de investigações incômodas e, não raro, mandatórias. Não faltam aloprados como alvo — veja-se, por exemplo, o caso desse inacreditável auditor do TCU que inseriu um “documento não oficial” no sistema do tribunal, a fim de sustentar a tese falsa de que há uma “supernotificação” de casos de mortes por Covid no Brasil.
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