ENTREVISTA: “Justiça social ocorre no grau e na forma como o legislador escolheu e não da forma como cada juiz pensa”
O juiz do Trabalho Otávio Torres Calvet, do Rio de Janeiro, virou alvo de perseguição e intimidação dentro da classe. O motivo é o mais absurdo possível: a defesa da estrita observância da lei nas decisões desse ramo da Justiça e não da vontade do magistrado. Como mostramos ontem, Calvet agora terá agora de prestar esclarecimentos à Corregedoria do TRT-1 por causa de um artigo acadêmico...
O juiz do Trabalho Otávio Torres Calvet, do Rio de Janeiro, virou alvo de perseguição e intimidação dentro da classe. O motivo é o mais absurdo possível: a defesa da estrita observância da lei nas decisões desse ramo da Justiça e não da vontade do magistrado.
Como mostramos ontem, Calvet terá agora de prestar esclarecimentos à Corregedoria do TRT-1 por causa de um artigo acadêmico.
No texto, publicado no site Conjur, ele criticou tecnicamente a decisão de colegas que multaram a churrascaria Fogo de Chão em R$ 17 milhões por demitir 112 empregados, no início da pandemia, no ano passado, sem prévia negociação com o sindicato.
A reforma trabalhista de 2017, em seu artigo 477-A, autorizou expressamente a dispensa em massa sem necessidade de qualquer comunicação a entidades sindicais.
Em seu artigo, Calvet critica o voluntarismo de juízes trabalhistas que atropelam a lei em nome de supostas boas intenções de justiça social e ancorados em princípios constitucionais abstratos, como o da “dignidade da pessoa humana”.
A O Antagonista, ele disse que vai prestar os esclarecimentos à Corregedoria e afirmou acreditar que não será punido. Leia:
O Antagonista – O sr. está preocupado ou receoso com a intimação da Corregedoria?
Otávio Torres Calvet – Não. Eu vou esclarecer basicamente o que está na Loman. Ela tem um artigo que fala que a regra é que os juízes não podem se manifestar sobre processos em curso. Mas autoriza que sejam feitos comentários quando ocorre a publicação de obras técnicas, artigos científicos, livros, no exercício da academia, como magistério. O artigo faz parte da minha atividade como professor, fazendo uma análise da decisão judicial e tecendo críticas à técnica utilizada na decisão.
Estou bem tranquilo. Pelo teor do ofício da corregedor, eu imagino que ele não tenha lido e está querendo esclarecimentos. Então, eu vou, dentro dos meus deveres, apresentar as explicações que ele pede e tenho certeza que ele vai compreender e enquadrar no artigo correto da Loman que autoriza esse tipo de publicação acadêmica.
O que o sr. defende em seu artigo?
Meu artigo é uma obra científica, que faz crítica a um modelo de interpretação no direito do trabalho, que entendo que não é correto e acaba gerando um grau de insegurança jurídica muito grande, de decisões voluntaristas. Elas representam a vontade subjetiva do juiz e não a vontade do ordenamento jurídico.
O juiz tem liberdade, mas ela tem de ser exercida dentro do Estado Democrático de Direito. Ele não tem um poder absoluto. Deve fazer a aplicação do direito a partir do que é posto pelo Parlamento, pelo Congresso. Se não, teremos decisões que surpreendem o jurisdicionado e a sociedade fica perdida, sem saber o que é o certo e o errado.
O sr. acha que está sendo alvo de tentativa de censura dentro da Justiça do Trabalho?
Falar em censura é uma palavra muito forte, mas sou presidente licenciado da Associação Brasileira dos Magistrados do Trabalho. Eu tenho uma atuação dentro da magistratura vista por muitos como postura de oposição ao que seria a visão mais comum da Justiça do Trabalho. Porque a associação que eu presido não se envolve em pautas sociais. Faz questão de mostrar que a magistratura tem que ser imparcial, técnica. A gente não se intromete na produção legislativa, no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores. Quando somos chamados, não fazemos manifestação pró ou contra trabalhador ou pró ou contra empresa. Fazemos avaliação técnica dos possíveis perigos da legislação. Isso é visto como postura contrária à maioria, como se eu fosse líder de um movimento que não concorda com o modo de agir das associações tradicionais. E como atuo no magistério, acabo tendo voz que repercute.
O sr. considera que está sendo alvo de intimidação por defender a aplicação do que foi aprovado na reforma trabalhista?
O grupo que tem a visão de mundo como eu, que acabou indo para essa nova associação, não necessariamente concorda com tudo que foi feito na reforma trabalhista. Eu como doutrinador, como acadêmico, gostaria que a lei fosse diferente. Nesse ponto [de dispensar a negociação sindical no caso de demissões em massa], a lei não foi feliz, pela minha concepção. Mas como juiz, não tenho que fazer prevalecer minha escolha pessoal sobre a escolha do legislador. A não ser que ela fosse agressiva com a Constituição, aí teria o dever. Mas juízes como eu são técnicos, sem olhar subjetivo impregnado de qualquer ideologia. Tenho o dever de aplicar a lei, porque temos um sistema que rege as relações e precisa ser observado, senão viveremos o caos.
Nosso papel como juiz é fazer justiça. E a gente quer ver acontecer a justiça social, mas ela ocorre no grau e na forma como o legislador escolheu e não da forma como cada juiz pensa que tem que ser. Se for assim, vai acabar gerando insegurança jurídica e retração da economia, com quantidade menor de empresas, o que pode acabar levando ao final à própria precarização do trabalhador. Proteção ao trabalhador é necessária, e no grau que deve ser é uma decisão do Parlamento. Não cabe ao juiz ir além, na vontade de proteger nem um lado nem outro. Se hoje há um movimento pró-trabalhador, pode haver outro pró-empresa amanhã. O juiz deve aplicar o que foi previsto democraticamente.
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