Democracia honesta não obriga a votar
As eleições municipais estão aí e pouca gente dá realmente bola. A crer numa pesquisa recente do Datafolha, apenas 37% dos paulistanos têm grande interesse na escolha do próximo prefeito, contra 29% que não têm interesse e 6% que apresentam pequeno interesse. No Rio de Janeiro, o número de cariocas que não têm interesse nenhum somado ao dos que têm pequeno interesse é maior do que o dos que mostram grande interesse: 45% contra 34%. Eu apostaria que há muita gente mentindo que está realmente interessada. Todo mundo, no entanto, deveria se importar muito com as eleições municipais porque -- vou repetir o clichê -- os cidadãos vivem mesmo é em cidades, e a administração municipal é a que mais impacta na suas vidas...
As eleições municipais estão aí e pouca gente dá realmente bola. A crer numa pesquisa recente do Datafolha, apenas 37% dos paulistanos têm grande interesse na escolha do próximo prefeito, contra 29% que não têm interesse e 6% que apresentam pequeno interesse. No Rio de Janeiro, o número de cariocas que não têm interesse nenhum somado ao dos que têm pequeno interesse é maior do que o dos que mostram grande interesse: 45% contra 34%. Eu apostaria que há muita gente mentindo que está realmente interessada.
Todo mundo, no entanto, deveria se importar muito com as eleições municipais porque — vou repetir o clichê — os cidadãos vivem mesmo é em cidades, e a administração municipal é a que mais impacta na suas vidas. Inclusive passa pelo tipo de relação que o prefeito vai estabelecer com o governador do estado ou os parlamentares em Brasília e até mesmo o presidente da República, a depender do tamanho da cidade. A relação tem de ser firme. Em geral, os políticos exploram a ideia de que prefeito bom é aquele do mesmo partido do governador. Não acho que seja verdade absoluta. Muitas vezes o que ocorre é o contrário: com vistas à sua própria reeleição dali a dois anos, o governador dá mais atenção a cidades cujos prefeitos são de oposição. Só às vésperas das eleições municipais é o que o governador começa a destinar mais verbas para obras de grande visibilidade nos municípios com prefeitos do seu próprio partido e aliados.
Ninguém nunca perdeu dinheiro ao apostar na falta de interesse dos cidadãos nas eleições municipais. Ou no desvio de interesse. Em São Paulo, por exemplo, o voto para prefeito só desperta alguma emoção quando reproduz a disputa partidário-ideológica em nível nacional. Ou seja, o que deveria importar para o cotidiano das pessoas fica em segundo ou terceiro planos. É por esse motivo também que a prefeitura de São Paulo passou a ser apenas trampolim de político interessado em atingir maiores alturas. Neste ano, como não haverá disputa partidário-ideológica candente, já que o PT está nas cordas, a eleição paulista ficou ainda mais sensaborona. A um mês do primeiro turno, boa parte dos eleitores não deve sabe o nome de nenhum candidato e fará o que quase sempre fez: cravar um nome na última hora, sem critério maior do que a simpatia ou menor antipatia.
A falta de interesse geral, e aí estou falando de todas eleições políticas de que somos obrigados a participar, repousa também na ignorância política, derivada da ignorância advinda da pobreza, e na desilusão geral com a democracia. Isso só fica mais evidente nas eleições municipais. Quase ninguém acredita que o seu voto tem alguma importância para mudar realmente alguma coisa, não importa se em nível municipal, estadual ou nacional. Mesmo quem é tomado de súbita politização, vota nesse ou naquele candidato mais por raiva do que por crença, mais por falta de opção do que por escolha segura. Foi o que ocorreu na última eleição presidencial.
Para que a coisa toda ficasse pelo menos mais honesta, seria necessário abolir o voto obrigatório. Entre as quinze maiores economias do mundo, o Brasil é o único país que obriga os cidadãos a votar. Muitos vão dizer que o voto não obrigatório estimularia partidos e candidatos a comprar votos dos eleitores mais vulneráveis economicamente. Isso já ocorre, senhores, não seria o voto opcional a piorar o quadro. Quando digo que a coisa ficaria mais honesta, estou falando do interesse dos cidadãos: na sua maioria esmagadora, votariam apenas aqueles que acreditam que a sua escolha é importante para a cidade, o estado, o país. O convencimento daqueles que não creem nisso ou ignoram o fato demandaria um trabalho permanente de educação cívica — e os partidos e políticos teriam de se esforçar de verdade para mostrar que vale a pena ir até uma seção eleitoral. Desobrigar os cidadãos a votar poderia melhorar a qualidade da nossa democracia. Ou a coisa ficaria pelo menos mais honesta, repito.
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