Witzel lhe dá sono? A mim também, mas é preciso tocar na questão da portinha
Há personagens da política brasileira que derrubam qualquer audiência. Veja-se o caso de Michel Temer: podia-se publicar tudo a respeito dele, de vídeo com homem da mala a gravação de conversa suspeita no Palácio do Jaburu, e nada animava os leitores por muito tempo. O sujeito tem de ter carisma até para ser suspeito ou ninguém quer saber dele...
Há personagens da política brasileira que derrubam qualquer audiência. Veja-se o caso de Michel Temer: podia-se publicar tudo a respeito dele, de vídeo com homem da mala a gravação de conversa suspeita no Palácio do Jaburu, e nada animava os leitores por muito tempo. O sujeito tem de ter carisma até para ser suspeito ou ninguém quer saber dele.
Com o governador Wilson Witzel, ocorre a mesma coisa. É um sujeito que antigamente era chamado de espalha-rodinha — é só ele chegar e todo mundo dá um jeito de dispersar. Se fosse uma escola de samba, Witzel seria a Unidos do Cabuçu. É ela despontar na Marquês de Sapucaí e as pessoas aproveitam para ir ao toalete ou pegar uma cerveja
Você provavelmente aproveitará para pegar um café agora, mudar de site ou mesmo tirar uma soneca, porque Witzel é o meu assunto. Não ele exatamente, mas a sua situação jurídica. Ele foi afastado do Palácio Guanabara, acusado de usar o escritório da mulher para lavar dinheiro de propina. Não vou entrar no mérito, até porque tudo parece mesmo verdade. O Superior Tribunal de Justiça o afastou a pedido do Ministério Público Federal, para que o governador não pudesse interferir nas investigações a partir de sua posição privilegiada. A defesa de Witzel pediu ao STF para que ele fosse reconduzido ao cargo. Dias Toffoli negou; hoje, os advogados do governador afastado voltaram à carga no Supremo.
O caso de Witzel remete ao do petista Fernando Pimentel, ex-governador de Minas Gerais. Ele foi mantido no cargo pelo STF, em 2017, apesar de ter-se tornado réu no âmbito da Operação Acrônimo, naquele cardápio fixo da corrupção política. Na ocasião, o Supremo decidiu que não era necessária autorização da Assembleia Legislativa para processá-lo e que medidas cautelares poderiam ser determinadas pelo Superior Tribunal de Justiça, a instância responsável por julgar governadores.
Ao contrário de Pimentel, o governador fluminense, que ainda não é réu, foi afastado pelo STJ. Por quê? Você responderá que cada caso é um caso. Eu retrucarei que não é assim que a coisa deveria funcionar. Longe de mim fazer a defesa de corruptos, estou falando de segurança jurídica e democracia. A jurisprudência de ocasião que vem regendo as decisões dos tribunais superiores acaba se estendendo a todas as instâncias, algo muito deletério. Não dá para ter portinhas de saída nas decisões do Supremo, guardião da Constituição, que podem levar a que um governador réu seja mantido no cargo, enquanto outro que é denunciado pelo mesmo tipo de crime (denunciado, não réu) seja afastado. Por que os dois pesos? Pimentel também estava numa posição privilegiada para interferir em investigações, assim como Witzel.
É preciso ter regras claras, ainda mais quando se referem a gente com mandato popular. Mandato não confere imunidade, mas tem de ser tratado com respeito. O respeito não é com a figura da vez, mas com a democracia. Para que não se dê azo a simpatias e antipatias pessoais ou partidárias, é necessário estabelecer em quais casos um governador pode ou não ser afastado por um tribunal. E eles deveriam ser muito poucos, esta é que a verdade. Eu, como jornalista que não quer bancar o causídico, só vejo dois: se virar réu em processo de corrupção ou crime violento.
Chega de portinhas jurídicas — e de Witzel. Até eu estou com sono.
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