Delação de Marcelo Odebrecht: a imprensa não cumpre o seu papel
O que é uma notícia? Aí está uma pergunta cuja resposta depende não apenas de quem distribui a informação, mas principalmente de quem a recebe. Como é difícil saber com exatidão o que chama atenção da maior quantidade possível de leitores, espectadores e ouvintes, a imprensa publica e transmite a cada dia uma quantidade enorme de notícias que para muitos não são importantes ou interessantes -- mas que podem sê-lo para outros tantos. O público tem nichos e os jornais se organizam em editorias também por esse motivo. É preciso lançar uma rede grande para capturar atenção de um número maior de pessoas, uma vez que a visão do que seja notícia não é a mesma para todo mundo...
O que é uma notícia? Aí está uma pergunta cuja resposta depende não apenas de quem distribui a informação, mas principalmente de quem a recebe. Como é difícil saber com exatidão o que chama atenção da maior quantidade possível de leitores, espectadores e ouvintes, a imprensa publica e transmite a cada dia uma quantidade enorme de notícias que para muitos não são importantes ou interessantes — mas que podem sê-lo para outros tantos. O público tem nichos e os jornais se organizam em editorias também por esse motivo. É preciso lançar uma rede grande para capturar atenção de um número maior de pessoas, uma vez que a visão do que seja notícia não é a mesma para todo mundo.
Não se trata, contudo, apenas de quantidade. Um dos desafios diários dos editores é tentar superar os limites de cada nicho, tentando tornar o importante interessante e o interessante importante. Como os atores, tanto de uma parte como de outra são múltiplos, e a variedade de vozes aumentou dramaticamente com o advento internet, o ambiente ficou ainda mais cacofônico. Basta verificar que os assuntos mais relevantes nos jornais não batem exatamente com aqueles que se destacam nas redes sociais. É nesse quadro de linhas imprecisas que os manipuladores da realidade entram para desqualificar uma notícia, não só negando o que é factual como desqualificando-o como “fofoca”, expediente que vem sendo utilizado em escala industrial.
Há notícias, porém, que se impõem tanto por ser importantes como interessantes. Um dos exemplos mais recentes é a delação de Marcelo Odebrecht: o então presidente da maior empreiteira do país, preso por pagar propina aos governantes e políticos mais graúdos do país, em troca de contratos na maior empresa brasileira, delata os esquemas que comandava, ajudando a maior operação anticorrupção da nossa história a colocar um monte de poderosos na cadeia, inclusive um ex-presidente da República. Até o sujeito que só se liga em esportes teve a atenção capturada para uma história dessas. Ela é naturalmente importante e interessante.
Obviamente, mesmo um Marcelo Odebrecht vai chamando menos atenção à medida que o tempo passa. As pessoas se cansam de se inteirar sobre um mesmo assunto por meses a fio. Não só porque os assuntos têm prazo de validade, esgotando-se em si próprios, como porque o público tem déficit de atenção para temas que não lhe são caros o tempo todo. E eis que o sujeito que só se interessa por esportes volta ao seu nicho. Diante desse fato da vida, o que um editor deveria fazer quando um Marcelo Odebrecht ressuscita no noticiário? Ignorá-lo não é o melhor caminho, porque, felizmente, sempre existirão os consumidores de informações políticas ou que tenham conexão com a política — é um nicho e tanto. Mas há outro ponto: a imprensa não existe apenas para atender a apetites. A imprensa existe para fiscalizar o poder, e é isso que o cidadão que gosta apenas de esportes espera dela. É a sua função institucional numa democracia.
Marcelo Odebrecht ressuscitou no noticiário, pelas mãos dos repórteres Rodrigo Rangel e Luiz Vassallo, da Crusoé. Numa investigação promovida pela PGR na esteira da sua delação, ele discorreu especificamente sobre a relação com o ministro do Supremo Tribunal Federal que acabou de deixar a presidência da corte. A reportagem trouxe vídeos e cópias de emails. Ou seja, a concorrência não precisava nem mesmo “confirmar a notícia”. Está tudo lá. Mas nenhum jornal se interessou pela notícia importante. Ainda que o delatado seja inocente, pela sua posição como juiz que tem a última palavra sobre o que está sendo julgado, a história teria de ganhar repercussão. Figuras públicas estão necessariamente sujeitas a exposição, é por isso que o adjetivo lhes é conferido.
Não sou ombudsman nem quero ser. O que cada veículo escolhe para publicar é questão interna sua. Mas estou muito seguro para afirmar que, diante do silêncio geral, perdem o país e a imprensa. Um STF transparente à luz do sol não o enfraqueceria, como podem pensar alguns, e sim o fortaleceria. Os jornais calaram-se em relação a um tema importante para a República, e que provavelmente também ressuscitaria a atenção dos cidadãos em geral. Há um grande problema nessa atitude: imprensa que esconde ou omite fato grave deixa de ser imprensa. Vira foro privilegiado de quem ela deveria fiscalizar, garantindo a impunidade.
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