ENTREVISTA: 'Não existe política das Forças Armadas; mal temos política de defesa', diz historiador ENTREVISTA: 'Não existe política das Forças Armadas; mal temos política de defesa', diz historiador
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ENTREVISTA: ‘Não existe política das Forças Armadas; mal temos política de defesa’, diz historiador

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5 minutos de leitura 01.08.2020 07:00 comentários
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ENTREVISTA: ‘Não existe política das Forças Armadas; mal temos política de defesa’, diz historiador

“Haver militares no governo e haver governo militar são coisas diferentes”, diz o historiador José Murilo de Carvalho. Em entrevista exclusiva a O Antagonista, ele analisa que o país não tem hoje uma “política das Forças Armadas”, mas o contrário: uma presença maior delas na política. “Mal temos uma política de defesa”...

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ENTREVISTA: ‘Não existe política das Forças Armadas; mal temos política de defesa’, diz historiador
Foto: Alan Santos/PR

“Haver militares no governo e haver governo militar são coisas diferentes”, diz o historiador José Murilo de Carvalho. Em entrevista exclusiva a O Antagonista, ele analisa que o país não tem hoje uma “política das Forças Armadas”, mas o contrário: uma presença maior delas na política. “Mal temos uma política de defesa.”

Segundo dados levantados pelo TCU, o governo Bolsonaro mais que dobrou a quantidade de militares em cargos civis. Eram 2.765 em 2018 e passaram a ser 6.157 – considerando os 1,9 mil convocados para atuação emergencial na pandemia.

A maior parte dos militares está alojada em cargos comissionados, e o número de militares em cargos civis na área da saúde subiu 74% no governo Bolsonaro.

E embora isso não signifique necessariamente uma militarização do governo, pode colar a impopularidade de Bolsonaro nas Forças Armadas, segundo José Murilo de Carvalho.

“O grande argumento dos militares para se justificar é a confiabilidade por parte da maioria da população, mostrada por pesquisas de opinião pública. Perdida essa imagem, eles perdem seu maior trunfo político”, afirma.

José Murilo de Carvalho é sociólogo e historiador e membro da Academia Brasileira de Letras. É professor titular de História do Brasil da UFRJ e autor do livro “Forças Armadas e Política no Brasil”, uma coletânea de artigos publicados desde os anos 1960 sobre o assunto.

Leia a entrevista:

De acordo com o levantamento do TCU, o número de militares no governo mais que dobrou em quatro anos, e os maiores crescimentos do número de militares foram nos cargos comissionados e na área da saúde. Isso significa que houve uma militarização do governo?

Depende de como se define militarização. É óbvio que há uma presença inédita de militares no governo. Neste sentido, há militarização. Mas se entendemos militarização como adoção de uma política das Forças Armadas, ou mesmo só do Exército, já fica complicado. Não creio que exista tal política, como existia na época da ditadura, tempos áureos da Escola Superior de Guerra. Mal temos uma política de defesa. A exceção talvez seja o caso da Amazônia, muito sensível para os militares. Mas aqui o ministro civil é até pior.

Em um dos artigos publicados no livro Forças Armadas e Política no Brasil, o senhor diz que a Constituição de 1988 não conseguiu se livrar da tradição de deixar as Forças Armadas como tutoras da democracia. Mas, mais recentemente, dois ministros do Supremo (Luiz Fux e Luís Roberto Barroso) decidiram que os militares não têm esse papel moderador, ou de tutela, sobre os Poderes da República. Concorda com as decisões? Isso muda alguma coisa na sua análise?

Não muda nada. O papel político das Forças Armadas está presente desde a primeira constituição republicana, é um fato histórico. Não serão contorções de juristas que mudarão isso. Os ministros do STF simplesmente não podiam endossar a ideia da tutela. Seria um deus nos acuda. Já em 1995, um militar argumentou nestes termos, referindo-se ao artigo 142: garantir os poderes constitucionais é evitar golpes. Ora, não há golpe sem participação das Forças Armadas. Logo, quem dá golpe não pode impedir golpe.

O senhor também diz no livro que, embora o nível atual de presença de militares no governo seja inédita desde a ditadura, isso não quer dizer que o governo Bolsonaro seja um governo militar. Mas qual será o efeito disso nas Forças Armadas? Elas passarão (ou passam) por um processo de politização?

Haver militares no governo e haver governo militar são coisas diferentes. Mas a situação é delicada e instável. Não há como evitar que a imagem da corporação seja afetada pela atuação de um governo com tantos militares. Há um grande risco de que, sendo impopular o governo, a impopularidade passe para a corporação, o que seria péssimo para ela. O grande argumento dos militares para se justificar é a confiabilidade por parte da maioria da população, mostrada por pesquisas de opinião pública. Perdida essa imagem, eles perdem seu maior trunfo político.

Outra discussão no livro é sobre o “militar cidadão” e o “militar profissional”. Hoje vemos sempre o vice-presidente falando no “Exército de Caxias”. Quais são os militares que fazem parte do governo Bolsonaro?

A ideia de cidadão-soldado é do final do Império, quando chefes republicanos, tenentes e até mesmo Rui Barbosa criaram a ideia do cidadão-soldado. Ela justificava intervenções, mas, em troca, dividia a corporação. Na década de 1930, a ideia foi abandonada em favor do fortalecimento da corporação. Ora, a atuação política da corporação impede sua profissionalização. É o que temos até hoje, pelo menos no que se refere ao Exército. Tem havido mais profissionalismo na Marinha e na Aeronáutica. Os generais que ocupam cargos no governo formaram-se na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) ainda durante a ditadura. Embora o Exército tenha sofrido mudanças no sentido de se diversificar e se abrir a contatos com a sociedade, esses generais ainda trazem marcas do período. Assim como eu trago, embora em sentido oposto.

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