ENTREVISTA: “Cobram juros extorsivos e não querem perder essa mina de ouro”
Desde o início da pandemia, os bancos têm conseguido fazer pressão suficiente para que não seja pautado no Senado um projeto de lei que limita o teto dos juros de cartões de crédito e cheque especial em meio à pandemia da Covid-19...
Desde o início da pandemia, os bancos têm conseguido fazer pressão suficiente para que não seja pautado no Senado um projeto de lei que limita o teto dos juros de cartões de crédito e cheque especial em meio à pandemia da Covid-19.
Depois de retirar a proposta da pauta pelo menos duas vezes, Davi Alcolumbre, nesta semana, prometeu pautá-la novamente na primeira semana de agosto.
O projeto, de autoria do senador Alvaro Dias (Podemos), limita teto de 20% ao ano para juros de dívidas contraídas entre março de 2020 e julho de 2021.
O relator da matéria, Lasier Martins (Podemos), fez alterações no texto original, por exemplo, ampliando o teto para 30% e antecipando para dezembro deste ano — e não mais julho de 2021 — o fim do prazo da vigência dessas mudanças.
Em entrevista a O Antagonista, Alvaro Dias disse por que acredita que vale a pena aprovar o projeto e detalhou a pressão dos grandes bancos e varejistas contra a proposta.
Leia a íntegra:
Alcolumbre prometeu pautar o projeto na primeira semana de agosto. O senhor acredita?
Acredito. É um compromisso público do presidente do Senado, que sabe a importância da matéria para a sociedade.
Sua proposta foi apresentada no início da pandemia. Já temos quatro meses de pandemia e o projeto ainda não foi aprovado. Ainda vai valer a pena?
A aprovação do projeto de lei vale a pena por dois motivos: primeiro, porque tanto o texto original quanto o relatório do senador Lasier contemplam o período integral do estado de calamidade pública; segundo, porque será uma importante experiência para a sociedade brasileira conhecer como é viver em um país com o crédito livre dos juros extorsivos.
Mais de 76 países do mundo limitam as taxas de juros para o crédito, visando proteger suas populações da usura. Em nenhum desses países a sociedade quer perder essa proteção. Em nenhum desses países o cidadão quer a mudança para um sistema igual ao brasileiro. Ao contrário, quando alguma instituição financeira ultrapassa o limite da taxa de juros estabelecida pelo Estado, a população busca o Poder Judiciário para punir aquele que praticou a usura. A cultura de repudiar a exploração é salutar e necessária.
De onde partem as resistências ao projeto?
Temos apoio e resistência ao projeto. O grande apoio vem da população, especialmente daqueles que já foram ou estão sendo explorados por juros de mais de 300% ao ano. Em alguns casos, mais de 700% ao ano. A grande resistência vem de uma poderosa minoria, que são os grandes banqueiros representados pela Febraban e proprietários de grandes redes de varejo que possuem bancos próprios ou convênios com bancos para disponibilizarem seus próprios cartões de crédito aos clientes. Cobram juros extorsivos de seus clientes, ganham muito dinheiro com isso e não querem perder, mesmo que por um tempo, essa mina de ouro.
A resistência dos bancos e das grandes empresas acabou despertando o interesse da sociedade brasileira sobre esse tema e o repúdio à exploração sem limites. A ganância, no momento que deveria prevalecer a solidariedade, teve efeito contrário aos interesses dos poderosos.
O senhor é acusado de fazer demagogia com esse projeto. Como o senhor reage a isso?
Quem não tem argumento forte para defender o indefensável sempre procura agredir a outra parte do debate. Até hoje nenhuma pessoa que não lucra de alguma forma com os juros exorbitantes tratou esse assunto como demagogia. Porém, essa pequena minoria que é contrária ao projeto de lei tem muito poder para contratar profissionais da economia e pagar anúncios nos meios de comunicação para defender seus interesses bilionários.
No Brasil, temos um histórico de crença em economistas e isso é perigoso. A crítica é sempre necessária. Economia e direito não são ciências exatas. Um economista, salvo no campo do debate puramente acadêmico, funciona como um advogado: procura desenvolver a melhor tese para defender os interesses de quem lhe paga. Nesse assunto, é interessante ouvir não apenas os economistas ligados ao mercado financeiro. Fundamental ouvir economistas, advogados e contadores independentes e aqueles comprometidos com a defesa dos consumidores. Regulamentação de mercados, especialmente do mercado financeiro, não é assunto para ficar apenas com economistas: é um tema essencialmente interdisciplinar.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)