Tio Barnabé: o escravismo e a mulher feia
Tão natural para o burocrata como a mesa em que habita é a “aderência à conformidade”. Essa expressão moderna, derivada de alguma expressão do "management"da gringolândia, é a tal "compliance" de que muita gente anda falando no Planalto Central.Já vi gente que se diz escrava das normas, regulamentos, portarias e resoluções. É o novo escravismo brasileiro...
Tão natural para o burocrata como a mesa em que habita é a “aderência à conformidade”. Essa expressão moderna, derivada de alguma expressão do “management” da gringolândia, é a tal “compliance” de que muita gente anda falando no Planalto Central.
Já vi gente que se diz escrava das normas, regulamentos, portarias e resoluções. É o novo escravismo brasileiro. Bastante pitoresco como tudo em Brasília. O bom barnabé cumpridor de normas entende que o direito administrativo lhe subtraiu a capacidade de pensar. Como pela Esplanada se apregoa insistentemente que “ao administrador público só resta fazer o que a lei lhe faculta” (lenda urbana cultivada nos bancos das faculdades de direito), o barnabé cumpridor de portarias dorme sossegado todas as noites. O Bananão (como o Ivan Lessa carinhosamente se referia ao nosso país) caminha, sobranceiro e fornido, para o abismo – como não cansam de nos alertar os nossos mais ilustrados economistas.
Mas, para o barnabé cumpridor, isso não significa absolutamente nada. Tudo lhe é indiferente se o passo a passo da portaria está sendo seguido, se aquele carimbo foi afixado, se aquele ofício foi expedido e se “a oportunidade do contraditório” (falo disso em outra ocasião) foi franqueada. Por aqui nos acostumamos a achar natural que uma TV 40 polegadas custe x para nossa casa e que o poder público adquira o mesmo aparelho por 4x. Desde que as normas tenham sido rigorosamente cumpridas (para fugir à responsabilidade dos controles), o barnabé assina com determinação o contrato de aquisição.
Grande parte das centenas de milhares de servidores que trabalham para o governo federal está em seus postos apenas para isso: criar normas uns para os outros. E eles — e as normas, portanto — continuam aumentando. Aliás, por aqui, a máxima do Millôr é levada ao extremo: o computador resolveu todos os problemas que não tínhamos antes. O setor público brasileiro talvez seja o único lugar do mundo em que a informática exigiu o aumento no número de empregados.
Mas voltemos a ele. O barnabé cumpridor de verdade é aquele que, em qualquer reunião de trabalho, ao perceber algum nível de indecisão, saca logo uma resolução e um artigo e seu parágrafo único. É o rei das disposições transitórias. Quando redator de normativos, a entope de considerandos no início e recheia o pobre normativo de pegadinhas que só ele (e mais ninguém) saberá decifrar, pois remete a uma miríade de outras portarias e resoluções.
O barnabé cumpridor é o imperador do chamado “exame de admissibilidade”. É um potentado do check list para verificar o quanto os outros deixaram de observar no cumprimento dos demais normativos. O barnabé cumpridor normalmente sai mais tarde da repartição, ou, seguramente, somente depois do chefe. Esse espécime da administração, normalmente tem algum transtorno obsessivo e, quando não raro, é casado com mulher feia, odeia feriado e finais de semana.
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