Caça aos judeus, ignorância coletiva e justificação do mal Caça aos judeus, ignorância coletiva e justificação do mal
O Antagonista

Caça aos judeus, ignorância coletiva e justificação do mal

avatar
Catarina Rochamonte
7 minutos de leitura 11.11.2024 10:10 comentários
Análise

Caça aos judeus, ignorância coletiva e justificação do mal

O que se confronta e o que se tenta eliminar desde sempre não é apenas o povo judeu, mas aquilo que a sua história guarda, um sentido transcendente e sagrado, indispensável para a compreensão dos valores éticos e morais que nos moldaram e que, felizmente, ainda nos moldam

avatar
Catarina Rochamonte
7 minutos de leitura 11.11.2024 10:10 comentários 8
Caça aos judeus, ignorância coletiva e justificação do mal
Reprodução

Os pais de Anne Frank mudaram-se de Frankfurt para Amsterdã para fugir do ódio antissemita que tomava conta da Alemanha. A menina judia aprendeu a nova língua, fez novos amigos, frequentou a escola e levou uma vida relativamente tranquila até que, em 1940, os nazistas invadiram a Holanda.

Durante os dois anos em que permaneceu escondida no anexo secreto da empresa de seu pai, a menina registrou suas impressões em um diário que ganhou ao completar treze anos. Sua história, sabemos, não teve um final feliz. O diário de Anne Frank chegou até nós, mas a menina judia morreu no campo de concentração de Bergen-Belsen, em 1945, aos quinze anos de idade.

Após a segunda guerra, o diário tornou-se conhecido em todo o mundo, sendo difundido principalmente em escolas, para adolescentes da idade dela, com o objetivo de conscientizar as novas gerações acerca do horror do holocausto.

Organizações e instituições de combate à violência, à intolerância e ao antissemitismo foram criadas sob a inspiração do seu nome. Memoriais se espalharam e monumentos foram construídos.

Um monumento é um símbolo, um signo. Uma sociedade que ergue um monumento em memória de uma vítima do holocausto está expressando seus valores, está dizendo que honra as vítimas, que não nega a história e que vigia contra o retorno ao passado sombrio. Em 2024, porém, a estátua de Anne Frank, em Amsterdã, foi duas vezes vandalizada.

Militantes “pró-Palestina” escreveram nela com tinta vermelha o slogan “Free Gaza”. Que tipo de valores subjacentes se fazem expressar por tal ato, também ele simbólico? Que tipo de modelo social defendem aqueles que clamam pela destruição de Israel, veem no Hamas uma legítima forma de resistência, honram a memória de terroristas e desonram a memória de uma menina judia morta em um campo de concentração nazista?

Revisionismo histórico e ódio ao Ocidente

Há uma ideia difusa na sociedade que precisa ser contida. Não por meio da força, apenas, porque a força é insuficiente para deter a propagação de ideias más.

É preciso refletir sobre o ponto principal de toda essa inversão de valores que fez com que o próprio holocausto fosse deturpado, passando a ser apresentado como um dentre tantos outros ataques contra minorias, quando se tratou fundamentalmente de uma tentativa de apagar a história judaica da face da terra, apagando o seu povo por meio do extermínio.

É o sentido histórico que o povo judeu carrega que está sendo combatido, pois o revisionismo requer que o historiador conceba os fatos não como o desenrolar no mundo de uma ideia divina, de uma revelação ou de um projeto pedagógico de emancipação espiritual, mas como uma luta sem trégua entre opressores e oprimidos, cuja redenção dependerá de uma solução política e não do triunfo do homem sobre si mesmo em busca de um reino que não é desse mundo.

O que se confronta e o que se tenta eliminar desde sempre não é apenas o povo judeu, mas aquilo que a sua história guarda, um sentido transcendente e sagrado, indispensável para a compreensão dos valores éticos e morais que nos moldaram e que, felizmente, ainda nos moldam.

Somos uma civilização socrático-platônico-judaico-cristã, como bem percebeu Nietzsche, que a confrontou com muito mais genialidade e elegância do que o fazem hoje esses jovens incultos e furiosos que vão às ruas com seus keffyehs cantando “From the River to the Sea, Palestine will be free” e erguendo cartazes “globalize the intifada.”

Sabe-se que os nazistas estabeleceram relações especiais com a irmandade muçulmana; hoje, porém, quem mantém esses laços estreitos são as entidades políticas de esquerda, fenômeno que tem sido chamado de islamoesquerdismo, espectro ideológico que responde pela quase totalidade dos ataques antissemitas dos dias atuais.

A aliança entre o fundamentalismo islâmico e a extrema esquerda é compreensível porque tem por base o ódio ao Ocidente e aos seus valores universais, cuja recusa abre caminho para a justificação da violência mais bestial.

Por outro lado, trata-se de uma aliança estúpida porque, cedo ou tarde, os aliados ocidentais serão submetidos à mesma violência que hoje justificam contra o suposto inimigo comum.

Pogrom em Amsterdã e culpabilização da vítima

Mas o que me motivou a começar esse texto citando Anne Frank foi o não tão inesperado Pogrom que ocorreu em Amsterdã, em 7 de novembro de 2024.

Nós falhamos com a comunidade judaica dos países baixos durante a segunda guerra mundial e ontem falhamos novamente”, declarou Willem-Alexander, rei dos países baixos, um dia depois do ocorrido.

O que ocorreu nessa noite na mesma terra em que viveu a icônica menina judia? Multidões de migrantes muçulmanos do norte da África e do Oriente Médio que vivem na Holanda, junto com seus aliados progressistas “Pró-Palestina”, começaram uma caçada contra judeus israelenses, que estavam na capital holandesa para assistir a uma partida de futebol do time Maccabi Tel Aviv.

Torcedores foram emboscados, jogados em rios, atropelados por carros, espancados até ficarem inconscientes.

Como no dia 7 de outubro de 2023, muitos agressores filmaram o próprio ato, vangloriando-se da barbárie. Em um dos vídeos que vi, um jovem caído no chão levava vários chutes enquanto tentava se afastar rastejando e dizendo “eu não sou judeu”. Em outro vídeo, os agressores exigiam do agredido que dissesse “Palestina livre!”, em outro vídeo, ouve-se alguém do grupo agressor gritar “hoje vamos caçar judeus.”

Mesmo com todos esses vídeos, houve jornais que noticiaram o ocorrido como sendo uma simples confusão, mais uma briga de torcida. Houve quem se apressasse em dizer que alguns torcedores do Maccabi entoaram cânticos racistas e rasgaram uma bandeira da Palestina, logo…os judeus mereceram a violência de que foram vítimas.

A retórica ofensiva e inflamada contra o Estado de Israel, essa distorção da realidade que estamos acompanhando há décadas, essa perda progressiva de contato dos jovens com seus valores em instituições de ensino rendidas à hegemonia de um pensamento que transgride e destrói para nada de bom construir, toda essa repulsiva justificação da violência por motivações político-ideológicas já foi longe demais. É preciso dar uma basta nessa ignorância coletiva que facilmente se torna ódio coletivo e violência coletiva.

Pensamento crítico não é o pensamento do revoltado ou do revolucionário infantilizado e dementado por ideologias ruins. Pensamento crítico é aquele que vê as nuances de uma situação e que a julga com o repertório moral que lhe é próprio.

É preciso, pois, um repertório moral. É preciso saber distinguir o certo do errado, o moral do imoral e encarar com seriedade e honestidade os inúmeros dilemas éticos que se apresentam em tão conturbados dias.

Não há, porém, dilema ético algum entre condenar ou justificar o massacre contra civis israelenses em 7 de outubro de 2023; não há dilema ético nenhum entre condenar ou justificar o ataque contra torcedores israelenses em 7 de novembro de 2024. O que há é uma degradação moral do ser humano que os justifica.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Ellen DeGeneres deixa EUA após escândalos e reeleição de Trump

Visualizar notícia
2

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
3

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
4

Trump nomeia ex-procuradora da Flórida após desistência de Gaetz

Visualizar notícia
5

Bolsonaro deixou aloprados aloprarem?

Visualizar notícia
6

"Não faz sentido falar em anistia", diz Gilmar

Visualizar notícia
7

PGR vai denunciar Jair Bolsonaro?

Visualizar notícia
8

Mandado contra Netanyahu não tem base, diz André Lajst

Visualizar notícia
9

Calendário PIS 2025 (22/11): Saiba os valores e como receber

Visualizar notícia
10

22 de novembro é feriado? Saiba onde!

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Feriados (22/11): 22 de novembro é feriado? Saiba agora!

Visualizar notícia
2

Ellen DeGeneres deixa EUA após escândalos e reeleição de Trump

Visualizar notícia
3

Calendário PIS 2025 (22/11): Saiba os valores e como receber!

Visualizar notícia
4

Mandado contra Netanyahu não tem base, diz André Lajst

Visualizar notícia
5

Bolsonaro deixou aloprados aloprarem?

Visualizar notícia
6

Trump nomeia ex-procuradora da Flórida após desistência de Gaetz

Visualizar notícia
7

PGR vai denunciar Jair Bolsonaro?

Visualizar notícia
8

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
9

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
10

"Não faz sentido falar em anistia", diz Gilmar

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Amsterdã antissemitismo pogrom
< Notícia Anterior

Inovação no pagamento de tributos: IPVA digital facilita a vida dos motoristas

11.11.2024 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Gangue do Rolex é presa por roubo de relógios de luxo

11.11.2024 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Catarina Rochamonte

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (8)

Marcia Elizabeth Brunetti

12.11.2024 09:39

Esse é um texto que deveria ser colocado como tema para a redação no ENEM. Mas, como nosso governo gosta mesmo é de incitar as brigas entre "oprimidos e opressores" (sem sequer para para pensar sobre o assunto), jamais veremos a discussão em uma escola pública.


Paulo Cordaro

12.11.2024 08:24

Nossa, Catarina. Como eu aprecio seus textos.


Viviane Santos de Sá e Souza

11.11.2024 22:04

Parabéns pelo excelente artigo! Digno de ser aplaudido de pé! Siga firme!!


Mauro Seraphim

11.11.2024 16:16

Mais um texto que nos obriga a pensar. Pena que vivemos num país em que o repertório moral é tão vazio a ponto de a mais alta autoridade relativizar a gravidade de roubos de celulares: "roubam pra tomar uma cervejinha"


Washington

11.11.2024 15:23

Coragem é isto aí: combate permanente à praga neonazista antissemita. Parabéns, Catarina!


Kenji Ricardo de Moraes Murozaki

11.11.2024 14:12

Artigo excelente da Catarina, como sempre!


Márcia Franco Neuding

11.11.2024 13:46

Mais um excelente artigo de Catarina Rochamonte, neste momento denunciando a decadência de valores morais em uma sociedade complacente com o mal pela cegueira ideológica. A perspectiva é preocupante porque sinaliza o distanciamento de importantes valores da civilização greco-romana e judaico-cristã, que nos trouxe até aqui. É assustador o que vem em seu lugar...


Gilberto

11.11.2024 13:37

Parabéns, Catarina! Ótimo texto.


Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

A folha, a árvore, a floresta e Jair Bolsonaro

A folha, a árvore, a floresta e Jair Bolsonaro

Ricardo Kertzman Visualizar notícia
Crusoé: E agora, Amorim? Sete países reconhecem González como presidente eleito

Crusoé: E agora, Amorim? Sete países reconhecem González como presidente eleito

Duda Teixeira Visualizar notícia
Crusoé: Por que Trump escolheu ex-diretora do WWE para comandar a Educação

Crusoé: Por que Trump escolheu ex-diretora do WWE para comandar a Educação

Duda Teixeira Visualizar notícia
Crusoé: Só não pode chamar de Nova Rota da Seda

Crusoé: Só não pode chamar de Nova Rota da Seda

Duda Teixeira Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.