Investigações de venda de sentenças acuam Judiciário e confirmam Crusoé Investigações de venda de sentenças acuam Judiciário e confirmam Crusoé
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Investigações de venda de sentenças acuam Judiciário e confirmam Crusoé

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Felipe Moura Brasil
10 minutos de leitura 24.10.2024 16:42 comentários
Análise

Investigações de venda de sentenças acuam Judiciário e confirmam Crusoé

Lobbies familiares em tribunais e pagamentos a parentes, embora raramente rendam operações, são a base dos esquemas sob a mira da PF

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Felipe Moura Brasil
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Investigações de venda de sentenças acuam Judiciário e confirmam Crusoé
STJ-Créditos: depositphotos.com / diegograndi

Em 14 de março de 2024, eu, Felipe, publiquei na Crusoé o artigo Cai o tráfico, fica a influência, cujo subtítulo dizia: “Apontados pela Lava Jato, os elos familiares entre escritórios de advocacia e tribunais agora são reforçados à luz do dia, com ajuda do presidente”.

Em 24 de outubro de 2024 – portanto, sete meses e dez dias depois -, a Folha publica duas notícias com efeitos daquele problema: uma sobre o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS), do qual cinco desembargadores foram afastados por 180 dias; outra sobre o Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

  1. “Desembargadores afastados em MS usavam escritórios de filhos em esquema, diz PF”. Subtítulo: “Quebras de sigilo apontam que advogados usavam mecanismos para burlar rastro do dinheiro”.
  2. “Mensagens a desembargador sobre barra de ouro reforçam suspeitas a gabinetes do STJ”. Subtítulo: “Documento do CNJ indica possível pagamento a parentes de magistrado afastado”. A matéria desdobra um caso já abordado por Veja e PlatôBr.

Vamos ligar os pontos?

Exemplos da reportagem 1 da Folha

O advogado Rodrigo Gonçalves Pimentel, filho do desembargador Sideni Soncini Pimentel, é suspeito de ter recebido dinheiro pela decisão de Julio Cardoso, então colega do pai no TJ-MS, de mandar soltar um traficante.

O advogado, que estaria envolvido em decisões de diferentes magistrados, chegou a garantir em uma das mensagens apreendidas pela Polícia Federal: “Vai sair hoje !! Certeza !! Perto das 6 da tarde !! Pode falar para seus parceiros aí até o horário pra ver q temos o controle !!”.

Já Cardoso, segundo a PF, fez “transações imobiliárias de grande monta (…) com o emprego de recursos de origem não rastreável, ou seja, que não transitaram em contas bancárias de titularidade do investigado”. Em seu domicílio, policiais federais apreenderam cerca de R$ 3 milhões em dinheiro vivo.

Também há suspeita, segundo o jornal, de participação do advogado Fabio Castro Leandro, filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro, também do TJ-MS.

Os cinco desembargadores afastados são Sideni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da Silva, Marco José de Brito Rodrigues, Alexandre Aguiar Bastos e o presidente da Corte, Sergio Fernandes Martins.

Exemplos da reportagem 2 da Folha

Sebastião Moraes Filho, do TJ-MT, bem como seu filho, o advogado Mauro Thadeu Prado de Moraes, e uma sobrinha são suspeitos de terem recebido dinheiro – respetivamente, duas barras de ouro de 400 gramas, R$ 200 mil e R$ 10 mil – por decisões judiciais do desembargador.

As suspeitas surgiram de mensagens encontradas no celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado com dez tiros em dezembro de 2023, dentro do carro, em frente ao seu escritório em Cuiabá. Os indícios são de que Zampieri comprava decisões de Sebastião.

Em setembro do ano passado, o desembargador procurava o advogado “com alguma insistência”, de acordo com análise do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que indica a cobrança dos pagamentos.

Das respostas de Zampieri, destacam-se: “o Pix está errado, estornou o valor”, “tente mandar o Pix correto que faço agora” e, cinco dias depois, “o pagto da sobrinha foi feito” – esta última junto a um comprovante de transferência bancária no valor de R$ 10 mil em benefício dela e a um pedido para adiar um julgamento.

Em outubro de 2023, Zampieri mandou outra mensagem a Sebastião informando que havia conseguido “um contrato muito bom para o Mauro”, filho do desembargador. “O senhor vai ficar feliz com o contrato que consegui para ele”, completou.

Em 7 de novembro, segundo o CNJ, Valdoir Slapak, sócio de Haroldo Augusto Filho na empresa de consultoria Fource, procurou Zampieri, e o advogado disse que teve que pagar R$ 200 mil “ao filho do velho”.

Apesar do indício de que a empresa privada fez pagamento ao filho do desembargador para conseguir vencer um processo, os sócios da Fource alegam que “nunca foram parte nos processos discutidos na ocasião e mantinham acompanhamento deles tão somente para avaliação como meio de investimento em aquisição de ativos estressados”.

O relatório do CNJ ainda aponta um diálogo, ao final do qual “Zampieri mostra aparentemente duas barras de ouro ao desembargador Sebastião”, “que indaga se têm 500 g”. O advogado respondeu que eram 400 gramas.

Além de fazer pedidos sobre os seus casos, Zampieri também teria intermediado venda de decisões em benefício de outros lobistas — um deles é Andreson de Oliveira Gonçalves, suspeito de atuar junto a gabinetes do STJ.

Exemplos do Superior Tribunal de Justiça

Em 18 de outubro de 2024, a revista Veja informou que o ministro do STJ citado em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), é Paulo Dias Moura Ribeiro. Transações suspeitas com um intermediário do esquema fizeram dele alvo de investigação.

Em 23 de outubro, Rodrigo Rangel informou no PlatôBr que “decisões de quatro ministros da corte – Isabel Gallotti, Og Fernandes, Paulo Moura Ribeiro e Nancy Andrighi – eram antecipadas a lobistas e advogados em uma espécie de mercado paralelo do Judiciário”.

“Os arquivos revelaram a existência de uma rede que funcionava com a participação de funcionários-chave dos gabinetes do STJ. Eles compartilhavam as decisões que viriam a ser assinadas pelos ministros. Por vezes, conseguiam fazer com que elas saíssem de acordo com o interesse dos clientes, que pagavam caro pelo ‘serviço’. Em alguns casos, uma única decisão custava R$ 500 mil.”

Em outubro de 2019, Andreson perguntou a Zampieri quanto um cliente dele pagaria “para Salomão ir com a gente e depois a Galotti”. Ele se referia à possibilidade de Luis Felipe Salomão acompanhar em julgamento no STJ o voto da relatora Isabel Galotti. Andreson então compartilhou duas minutas de decisões que ainda seriam assinadas pela ministra.

Curiosamente, o ministro Salomão foi quem solicitou ao Ministério Público Federal, quando acumulava o cargo de corregedor nacional de Justiça no CNJ, a investigação criminal sobre o esquema de venda de sentenças.

Salomão escreveu: “Em relação à referência à minha pessoa, a atuação do Sr. Andreson Gonçalves não passa de exploração de prestígio (‘venda de fumaça’, no jargão criminal). Porém, os dois documentos enviados por Andreson a Roberto Zampieri denotam que, de fato, há alguém no gabinete da eminente ministra Isabel Gallotti que, no mínimo, repassa a terceiros material de uso interno.”

As duas decisões de Gallotti, em recursos especiais que envolviam dois bancos, só foram assinadas no dia seguinte e publicadas uma semana depois, de acordo com Rangel. “Quem vai fazer o voto vai ser a juíza extrutora amiga minha”, chegou a dizer Andreson em mensagem, errando a grafia de instrutora, a juíza que assessora ministros de tribunais em gabinete.

Pelo menos mais quatro nomes de ministros de tribunais superiores são mencionados nas mensagens encontradas, mas não aparecem no documento elaborado por Salomão, que não teria visto elementos concretos para incluí-los.

Até onde vai a blindagem do Judiciário?

Responsável por retaliar juízes da Lava Jato no CNJ, o ex-corregedor tem sido presença anual no Gilmarpalooza, o fórum do ministro Gilmar Mendes, do STF, em Lisboa. Durante a edição de 2023, Salomão almoçou com Gilmar e os empresários Joesley e Wesley Batista, alvos da Lava Jato, no restaurante Porto Santa Maria, na praia do Guincho, região de Cascais. Também participaram do almoço o ex-presidente da OAB Marcus Vinícius Furtado Coelho e o diretor da FGV Conhecimento Sidnei Gonzalez.

A FGV, que, além de patrocinar o Gilmarpalooza, contratou Rodrigo Mudrovitsch, advogado de Gilmar, para sua defesa na Operação Sofisma, foi blindada pelo próprio ministro no Supremo.

Marcus Vinicius Furtado Coelho, curiosamente, já defendia em 21 de setembro de 2008 a Lei 11.767, que trata da inviolabilidade dos escritórios de advocacia, como a lei da defesa livre.

“A inviolabilidade do local de trabalho é imprescindível para que se assegure direito à ampla defesa do cidadão e não é possível ter direito de defesa com constantes ameaças de invasão a escritórios de advocacia, mesmo que por ordem judicial”, declarou o então presidente da Comissão de Legislação da OAB. “Esta lei veda que o advogado seja vítima de ordens judiciais que violem o seu escritório e seu instrumento de trabalho, não só a sede do escritório, mas também computadores e arquivos de seus clientes”, acrescentou Furtado.

A lei havia sido sancionada pelo governo Lula em 7 de agosto de 2009, com as assinaturas do então vice-presidente da República, José Alencar, do então ministro da Justiça, Tarso Genro, e do então subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Dias Toffoli, depois nomeado pelo presidente para o STF, onde tomou uma série de decisões favoráveis não só a Lula e PT, mas aos irmãos Batista, clientes de sua esposa, a advogada Roberta Rangel.

Na edição de 2024 do Gilmarpalooza, Salomão ainda foi escalado para dois painéis como palestrante e para mais um de encerramento. Seu filho advogado, Luis Felipe Salomão Filho, também foi escalado para um painel. Já Paulo Salomão, sobrinho do ministro do STJ, chegou a ser alvo da Operação E$quema S, da Lava Jato do Rio de Janeiro, por suposto recebimento de valores da Fecomércio na gestão de Orlando Diniz, que depois virou delator.

Como Crusoé noticiou em 17 de outubro de 2020, as quebras de sigilo bancário do sobrinho de Salomão e de seu escritório de advocacia revelaram transações financeiras feitas com dois filhos de ministros do STJ – incluindo, em abril de 2015, quatro repasses de Djaci Falcão Neto, filho de Francisco Falcão, somando R$ 751 mil.

Esse mesmo Francisco Falcão é o ministro do STJ que determinou os afastamentos dos cinco desembargadores do TJ-MS e autorizou a PF a cumprir nesta quinta-feira, 24 de outubro de 2024, mandados de busca e apreensão contra eles, um juiz, e também servidores, advogados e empresários suspeitos de se beneficiarem do esquema de venda de sentenças.

Já a relatoria da parte da investigação sobre o STJ ficou a cargo do ministro Cristiano Zanin, do STF, o advogado de Lula na Java Jato que, assim como o sobrinho de Salomão, chegou a ser alvo da Operação E$quema S, mas também acabou blindado por Gilmar no Supremo.

Com todos esses pontos ligados, não é difícil entender por que investigadores creem que a punição só alcançará, se tanto, a arraia miúda.

O sistema só pune quem dele não faz parte.

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