Josias Teófilo na Crusoé: A missa secreta
Nos momentos de crise, a religião cresce em importância e as pessoas se apegam a ela como forma de transcendência
Durante boa parte da pandemia, em que as igrejas foram obrigadas a fechar as portas, pensei que as missas de fato tinham deixado de acontecer e me acomodei em casa. Até que um amigo disse: “Se você for na Igreja de Nossa Senhora do Brasil e disser que vai se confessar, que é uma espécie de senha para entrar, pode assistir à missa”. Fui lá, disse na porta que estava indo me confessar e, para a minha surpresa, ao entrar, vi a igreja lotada – estava todo mundo lá. Visto de fora, parecia que nada estava acontecendo ali, dentro a missa estava ocorrendo normalmente.
Foi uma experiência e tanto participar daquela missa: pensei nos primeiros cristãos que se reuniam secretamente. A missa é um rito, uma coisa que se repete diariamente, de modo igual. A regularidade produz rotina e podemos facilmente cair na desatenção. A missa secreta que vi – talvez por ser proibida – teve o efeito oposto da rotina: todos ali pareciam absolutamente concentrados, absortos.
Durante a pandemia, com a difusão do medo e as mortes, a religião se tornou ainda mais importante na vida das pessoas – só que as igrejas estavam fechadas. E a religião não é, como se diz modernamente, algo acessório na vida das pessoas, ou uma superstição. Na vida do homem religioso tudo remete ao sagrado, como diz Mircea Eliade.
Existe um grande filme sobre a religiosidade num contexto de crise: Andrei Rublióv, do cineasta russo Andrei Tarkóvski. O filme retrata o percurso biográfico do monge criador de ícones que viveu no século XV na Rússia e começa com uma cena estranha e invulgar: surge uma espécie de balão, toscamente realizado, ao lado da Catedral de São Demétrio em Vladimir, sendo preenchido por quatro indivíduos com a fumaça de uma fogueira.
Um homem é perseguido por um grupo de pessoas e sorrateiramente entra na catedral, subindo ao topo. Ele pede: “Senhor, fazei com que funcione”. Embaixo da catedral está sendo travada uma luta por aqueles que o perseguiam contra os que montaram o balão.
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