Vaza Toga: Moraes retaliou X por recusa da rede em extrapolar acordo eleitoral
Entenda o que representa a mensagem do ministro do STF revelada agora
A Vaza Toga confirma que Alexandre de Moraes manobrou para retaliar o X, via STF, porque a rede social, após a eleição de 2022, passou a discordar de solicitações do então presidente do TSE que extrapolavam os termos do acordo estabelecido entre as partes para o período eleitoral.
Pelo acordo, o TSE sinalizava postagens avaliadas como mentirosas ou discursos de ódio, e recomendava a representantes do X a exclusão de cada uma.
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“Então vamos endurecer com eles. Prepare relatórios em relação a esses casos e mande para o inq [inquérito] das fake [news]. Vou mandar tirar [do ar] sob pena de multa”, dizia a mensagem de Moraes, de 17 de março de 2023, revelada pela Folha nesta quarta-feira, 4 de setembro de 2024, cinco dias depois da decisão do ministro de suspender o X no Brasil.
“Resolvido. Vamos caprichar no relatório para esse fim”, prontificou-se o juiz auxiliar do ministro no TSE, Marco Antônio Vargas, ao encaminhar a ordem do chefe, pelo WhatsApp, a integrantes da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), órgão criado no mesmo tribunal.
Naquele dia, mais cedo, um desses integrantes do AEED, Frederico Alvim, já havia alertado Vargas que “a saída mais fácil” para conseguir que o X passasse a excluir o tipo de publicação citada por ele “seria pedir uma calibração da interpretação da política já existente”, “defender que, embora as eleições tenham terminado e o novo presidente [Lula] empossado, esses ataques mantêm acesa a possibilidade de novas altercações”.
A postagem citada por Vargas havia sido feita por uma mulher, no contexto da soltura de presos pelos ataques de 8 de janeiro de 2023.
“Foi o ‘Tribunal Internacional’. O Mula, Xandão e esse governo usurpador estão sendo acusados de crimes contra a humanidade (prisões ilegais, tortura, campos de concentração, mortes, etc.)”, dizia um trecho. Os presos, no entanto, haviam sido soltos pelo próprio Moraes.
Alvim marcou, para meio-dia, uma reunião com o representante do X na América Latina, Hugo Rodríguez, e uma pessoa de nome Adela.
“Vou tentar, o seguinte, nesta ordem de preferência: 1) que removam o conteúdo e se comprometam a remover outros semelhantes, sempre que acionarmos pelo sistema de alertas; ou 2) que ao menos removam esse, imediatamente, enquanto discutimos ajustes nas políticas (numa reunião com o senhor)”, disse Alvim a Vargas, definindo a estratégia.
“Perfeito”, respondeu o juiz auxiliar de Moraes.
O X, porém, não caiu na conversa deles.
O representante da plataforma, segundo o relato posterior de Alvim a Vargas, deixou claro que, fora do período eleitoral, as regras a serem seguidas seriam as gerais, sem tratamento específico para o TSE ou para publicações como a enviada pelo juiz auxiliar.
“Com a entrada do Elon Musk, a moderação caminha cada vez mais para ter como base a proteção da segurança, mais do que a proteção da verdade”, escreveu Alvim.
“Trocando em miúdos, uma mentira desassociada de um risco concreto tende a não receber uma moderação. A moderação só ocorre quando houver discurso violento, discurso de ódio e cogitação de alguma espécie mais palpável de dano (incitação de um ato de depredação ou coisa do tipo). Com o detalhe de que o ‘risco à democracia’, por não ser tangível, não entra nesse conceito”, explicou o mesmo integrante do AEED, do TSE.
Ou seja: as regras gerais do X, fora do período eleitoral, são alinhadas ao conceito americano de liberdade de expressão, que só pressupõe ação emergencial contra autores de discursos escritos ou falados em caso de riscos objetivos à segurança dos demais cidadãos, não em caso de incômodo subjetivo deles com declarações alegadamente falsas, imprecisas e/ou ofensivas à sua honra, nem em caso de autoridades que tentam colocar a estrutura do Estado a serviço permanente de sua patrulha virtual, escolhendo qual cargo vão usar para enquadrar desafetos.
O combate à desinformação, detalhou o representante do X a Alvim, vem sendo feito com ferramentas como “notas de comunidade”, que passaram a acoplar às postagens denunciadas por usuários as informações sonegadas, acompanhadas de links. “Segundo os estudos que fizeram, ao longo de 2 anos, os tuítes marcados com notas de comunidade têm uma redução de 20% a 40% do potencial de enganar pessoas”, relatou Alvim a Vargas, que então passou as informações a Moraes, levando o ministro à decisão de “endurecer”.
Ou seja: o X, com autocontenção, implementou um recurso colaborativo e diverso da censura para minimizar o eventual efeito negativo de conteúdos específicos que falseiam a realidade, enquanto Moraes, sem autocontenção, extrapolou o acordo eleitoral do TSE com a plataforma, manobrou para retaliar o X no inquérito do STF em que ele já extrapola há cinco anos o devido processo legal, impôs a suspensão de perfis inteiros, determinou multa e ameaçou de prisão a representante da empresa em caso de desobediência e, diante da recusa de indicação de outra representante a ser alvo de novas sanções, extrapolou mais ainda, suspendendo o acesso de 20 milhões de brasileiros a seus perfis e bloqueando contas da Starlink, outra empresa ligada ao dono do X, Elson Musk, mas com acionistas distintos.
Tudo porque uma tiazona de zap do bolsonarismo aloprado atribuiu uma decisão de Moraes de soltar presos do 8/1, noticiada em toda a imprensa, a um tribunal internacional que teria acusado o ministro e o governo Lula de crimes contra a humanidade. Quando escrevi na Crusoé, em 2020, o artigo “Os mimados no poder”, o melindre de um só ministro ainda não havia chegado tão longe. Nada mais idiota que tentar neutralizar a idiotice humana por decreto. Nada mais típico de regimes autoritários, como ilustra a Venezuela, que falar em “risco à democracia” para justificar censura e repressão.
Quem vigiou os governos do PT, como eu, Felipe, O Antagonista e Crusoé, foi achincalhado e acusado de barbaridades por MAVs e blogs sujos petistas. Quem vigiou o governo Bolsonaro, como eu, Felipe, O Antagonista e Crusoé, foi achincalhado e acusado de barbaridades pela tropa virtual de Carluxo e seus blogueiros de crachá. Quem se sente alvo de crimes contra a honra, ou mesmo de ameaças, nesses e em quaisquer outros casos, recorre, como meus advogados, ao devido processo legal, com identificação dos autores, ampla defesa e julgamento, que pode resultar em direito de resposta, retratação por conteúdo específico e indenização por danos morais, nunca em suspensão total de perfis.
Moraes chegou ao clube dos alvos, ainda que de uma militância só, e já quis sentar na janela. Ele não aceita ser contrariado em seus abusos, nem suporta os ataques que suportamos. Quando gente assim concentra poder, os riscos às liberdades de todos se tornam tangíveis.
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