Josias Teófilo na Crusoé: A tentação retórica do cinema brasileiro
No Cinema Novo brasileiro, não basta levar ao espectador uma apreensão poética da realidade— é preciso levá-lo a querer alterar a realidade
Existe um curta-metragem brasileiro feito pelo cineasta Joaquim Pedro de Andrade chamado Brasília, contradições de uma cidade nova. O filme, feito em 1967 (a cidade não estava completamente pronta, a catedral só tinha a estrutura de concreto) tem nos seus momentos finais uma frase muito significativa do Cinema Novo.
O curta é dividido em duas partes, uma descritiva, em que o narrador (Ferreira Gullar) descreve o plano de cidade, e outra crítica, em que se explora a situação dos trabalhadores que construíram a cidade, na época morando em cidades satélite, “em tudo opostas ao plano piloto”, como é dito. Nessa última, já no final, surge a frase, que destoa completamente da narração do filme: “É preciso mudar essa realidade, para que no rosto do povo se descubra o quanto uma cidade pode ser bela”.
Essa frase fica ainda mais ressaltada no filme porque ela aparece quando a música (uma Bachiana de Villa-Lobos) cessa. Ou seja, o cineasta quis que nós prestássemos especial atenção a ela. Ele caiu na tentação retórica: não basta levar ao espectador uma apreensão poética da realidade — é preciso levá-lo a querer alterar a realidade. Isso é típico do Cinema Novo.
Podemos dizer que a principal característica do Cinema Novo é ver o cinema como elemento de transformação da realidade, opondo-se ao cinema comercial. É como se cada filme desse movimento fosse uma tentativa de alterar a realidade – especialmente social, mas também política – do país.
Arnaldo Jabor disse que a sua geração queria mudar o mundo e mudar o cinema. Evidentemente, não conseguiram nenhum dos dois, se bem que o Cinema Novo teve grande influência no cinema brasileiro. E a influência principal foi precisamente neste aspecto: na retórica. O problema da retórica – que tem por objetivo levar à ação – é o seguinte: quanto mais retórico é um filme, maior a rejeição que ele causa. Vai ficando mais próximo da publicidade, da simples propaganda.
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