Lula reclama de emendas, mas distribui dinheiro do mesmo jeito
Segundo site, governo liberou recursos para prefeituras de aliados sem cumprir regras técnicas
Leio no UOL que o governo Lula direcionou 1,4 bilhão de reais do orçamento federal a cidades comandadas por aliados, sem que os repasses tenham a devida justificativa técnica.
Em um caso, o de Hortolândia (SP), a prefeitura não especificou a quantia desejada e recebeu uma bolada mesmo assim – 50 milhões de reais do ministério da Saúde.
Quem viajou a Brasília para pedir os recursos foi ex-secretário municipal Cafu César, que apesar de ser do PSB, é muito próximo do PT e especialmente do notório José Dirceu.
Araraquara (SP), governada pelo petista Edinho Silva, amigão de Lula, recebeu mais dinheiro do que havia pleiteado.
A prefeitura pediu 42 milhões de reais e saiu com 59.
A documentação disponível no ministério da Saúde (de novo ele) não oferece explicação para isso.
Há mais exemplos na reportagem.
É por essas e outras que defender soluções racionais na política brasileira faz o sujeito parecer ou ingênuo, ou picareta.
Estou falando de mim mesmo.
Na semana passada, argumentei que a decisão do ministro Flávio Dino, do STF, de suspender a execução de todos os tipos de emendas parlamentares era bem-vinda, representando um freio de arrumação necessário.
Desde 2015, o Congresso vem aumentando o seu poder sobre o Orçamento federal.
Isso tem várias consequências ruins.
Primeiro, altera o regime de governo brasileiro de maneira clandestina.
A Constituição prevê um regime presidencialista, mas o que temos hoje é um parlamentarismo bastardo.
O Congresso se apropriou de poder em silêncio, com mão de gato, mas os parlamentares não são cobrados de maneira proporcional pela execução de políticas públicas.
A segunda consequência ruim, e mais visível, é que o dinheiro das emendas parlamentares é gasto com baixo grau de transparência e uma preocupação ainda menor com a eficácia e a racionalidade.
Os políticos despacham recursos para suas bases movidos por preocupações quase que exclusivamente eleitoreiras. A cidade vizinha pode precisar muito mais do dinheiro, mas não receberá um tostão se não tiver seu despachante de luxo na Câmara ou no Senado.
Quanto mais os parlamentares se apropriam de recursos para investimentos e os distribuem de maneira fragmentária, mas difícil fica planejar políticas de alcance nacional nos ministérios.
Por isso sustento que é necessário rediscutir esse modelo de gestão orçamentária que foi se desenhando nos últimos dez anos.
Mas aí vem o governo Lula e despeja dinheiro sobre municípios escolhidos a dedo, sem nenhuma preocupação com o embasamento técnico ou com a legalidade desses gastos.
Comporta-se, em outras palavras, como um deputado pançudo e sem escrúpulos, da pior estirpe.
Na melhor das hipóteses, quem defende uma revisão do modelo que transferiu poder para o Congresso em detrimento do Executivo – como eu – fica parecendo um tolo.
Afinal, Flávio Dino não foi instalado no STF por Lula? E quando interfere na questão das emendas, não está querendo pura e simplesmente aumentar o poder de barganha do seu padrinho nas negociações com os parlamentares?
Na pior das hipóteses, você parece um picareta, articulando desculpas para beneficiar o governo.
Bem, não posso fazer nada, exceto continuar defendendo o que acredito ser o certo.
O nosso parlamentarismo bastardo já havia impactado o governo Bolsonaro antes de impactar o governo Lula. E vai afetar qualquer presidência que venha a seguir, se as coisas continuarem como estão. É hora de rediscuti-lo às claras.
Os indícios de que o Lula favoreceu aliados com liberação indevida de verbas, na verdade, dão um motivo adicional para que isso aconteça.
Os mecanismos para controlar os gastos realizados pelo Executivo são muito mais robustos no Brasil do que aqueles disponíveis para vigiar a execução de emendas parlamentares.
Se as denúncias do UOL ficarem comprovadas, será possível abrir processos, até mesmo de improbidade administrativa, contra todo tipo de autoridade, de secretários municipais ao próprio Lula.
Enquanto isso, deputados e senadores podem mandar dinheiro diretamente para o caixa de seus aliados sem ter de fazer qualquer indicação de finalidade. Basta recorrer às emendas Pix.
E vá alguém querer saber se a grana foi bem gasta…
Verificar que o governo federal também gasta o dinheiro público com base na pior politicagem é motivo para investigação e punição, se for o caso, mas não para deixar o Congresso continuar alegremente com a farra das emendas.
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