Gilmar Mendes critica ditadura de Maduro. Devemos acreditar?
Não duvido que, no futuro, o ministro passe a considerar a Venezuela uma democracia, e o ditador, um presidente legitimamente eleito
O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, o grande nome à frente do festival internacional, digo encontro jurídico, “Gilmarpalooza”, que ocorre anualmente em Lisboa, Portugal, em entrevista ao programa Canal Livre, da Band, no domingo, 18, teceu críticas à ditadura venezuelana e cobrou, de modo bem sutil, uma atuação mais firme do governo brasileiro, já que, até o momento, o pouco que se viu foram belas e efusivas “passadas de pano” para o sanguinário ditador Nicolás Maduro.
Gilmar Mendes falou as coisas certas e deu os nomes corretos sobre as questões relativas ao golpe eleitoral vivido no país vizinho, mas é de se questionar se o que disse é mesmo para valer e se valerá daqui a alguns anos, ou não. Afinal, nunca é tarde para lembrar, o ministro é conhecido pelo “vai e vem” em posicionamentos a respeito de assuntos graves, envolvendo políticos e política. Sobre o presidente Lula, os crimes desvendados pela Operação Lava Jato e o Partido dos Trabalhadores (PT), Gilmar já declarou:
“Tenho a impressão que essa força-tarefa está fazendo um bom trabalho, um trabalho importante e isso precisa ser reconhecido. Acho que já se falou muitas vezes de passar o Brasil a limpo, o que é uma tarefa muito difícil. Isso, de alguma forma, está ocorrendo. Estamos conhecendo as entranhas do político e do mundo empresarial brasileiro a partir desse trabalho”. Isso foi em setembro de 2016, no Rio de Janeiro, quando o País imaginava estar deixando de ser o paraíso dos corruptos. Alguns anos depois, contudo:
Virada de 180 graus
“Acho que a Lava Jato fez um mal enorme às instituições. O que a gente aprendeu? Eu diria em uma frase: não se combate o crime cometendo crimes. Na verdade, a Lava Jato terminou como uma verdadeira organização criminosa, ela envolveu-se em uma série de abusos de autoridades, desvio de dinheiro, violação de uma série de princípios e tudo isso é de todo lamentável”, declarou o mesmíssimo ministro Gilmar Mendes, em março deste ano, à Agência Brasil, no “aniversário” de dez anos da Operação Lava Jato.
Sobre o então investigado e posteriormente condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, o atual presidente Lula, questionado sobre o fato de ele não ter sido denunciado por “chefe de organização criminosa” ou “formação de quadrilha”, Gilmar, à época, afirmou: “Eu mesmo já fiz críticas. Isso é absolutamente normal. Se amanhã ele vier a ser denunciado por organização criminosa, ou seja, investigado no Supremo, isso vai se resolver no âmbito do Ministério Público e do Judiciário”. Sabemos, hoje, que mudou completamente de ideia.
Gilmar Mendes também já dedicou bastante rigor ao Partido dos Trabalhadores: “Veja o que fizeram com a Petrobras, veja o valor da Petrobras hoje, por isso que se defende com tanta força as estatais. Não é por conta de dizer que as estatais pertencem ao povo brasileiro. Porque pertencem a eles. Eles tinham se tornado donos da Petrobras. Esse era o método de governança. O que se instalou no País nesses últimos anos e está sendo revelado é um modelo de governança corrupta, que merece o nome claro de cleptocracia”.
O que será amanhã
O ministro fazia tais observações – pertinentes e acertadas – acerca dos crimes cometidos no âmbito do petrolão enquanto, segundo suas próprias palavras, o Brasil ainda era “passado a limpo”. Anos depois, porém, Gilmar e alguns colegas supremos resolveram abdicar de convicções anteriores, o que resultou na mais profunda vala da impunidade. Mendes reviu sua posição sobre possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, e mudou o entendimento, ao lado do amigo do amigo de meu pai, permitindo a soltura de Lula e sua eleição posterior.
A partir dali, com decisões dele e de alguns de seus pares sobre a suspeição de Sergio Moro, os “métodos ilegais” da Operação Lava Jato – após a “legalíssima” Vaza Jato – e as anulações de provas irrefutáveis e de sentenças proferidas contra criminosos, muitas vezes confessos, chegamos ao Brasil atual, com todas as perversas consequências do cavalo de pau de parte da Suprema Corte. Por isso, me questiono e coloco sob (minha) suspeição as declarações de Gilmar Mendes em defesa da democracia na Venezuela.
E não porque o considere um antidemocrata ou apoiador de ditadores e ditaduras como são o presidente Lula e o PT. Nem tampouco por não acreditar em sua boa fé em relação ao sofrimento do povo venezuelano, ou seu desejo de eleições limpas na ditadura chavista. Ou ainda, por não reconhecer o suave puxão de orelhas que deu na política externa do governo federal. Mas, simplesmente, por não duvidar que, no futuro, mude de ideia e passe a considerar a Venezuela uma democracia e Nicolás Maduro, um presidente legitimamente eleito.
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