Josias Teófilo na Crusoé: O muro do Dom Quixote
Livro centenário escrito por Miguel de Cervantes é um clássico e os clássicos costumam ter elementos arquetípicos, que os fazem superar diferenças culturais e temporais.
Dom Quixote de La Mancha leu tantos romances de cavalaria que pensou tornar-se ele próprio um cavaleiro, e passou a usar armadura e tudo. Saiu pelo mundo com suas armas e seu cavalo Rocinante, não sem causar confusão, quebrar-se todo numa queda, e provocar a comoção das pessoas próximas.
Um dos remédios que os amigos – especificamente um padre e o barbeiro – conceberam para o Dom Quixote foi mandar murar o aposento dos livros em sua casa. “Talvez retirando a causa cessasse o efeito”, eles dizem no livro. Sem ler os livros de cavalaria ele talvez parasse de imaginar-se um cavaleiro e voltasse à sanidade.
O Dom Quixote é um clássico e os clássicos costumam ter elementos arquetípicos, que os fazem superar diferenças culturais e temporais. O personagem incorpora bastante o espírito do que viria a ser o barroco: as fantasias, as contradições profundas, a exuberância, e por aí vai.
A reação às fantasias é também arquetípica: um muro é construído para vedar sua fonte – evidentemente essa medida não tem o efeito pretendido, Dom Quixote continua pondo em prática suas fantasias.
Mas a tentativa é muito significativa. Penso nas tantas vezes em que tentou-se murar as fontes do caos na história brasileira. A começar pelo urbanismo. A história do urbanismo brasileiro é a história da tentativa de racionalização, da busca pela linha reta, pela forma da grade. Para isso, foi preciso renunciar aos morros (como o Morro do Castelo, onde nasceu a cidade do Rio de Janeiro), destruir parte do patrimônio histórico para a construção de grandes vias (como a Avenida Dantes Barreto, no Recife, que levou à destruição da Igreja dos Martírios, do século 18), ou construir uma cidade totalmente terraplanada, como Brasília.
Nessa tentativa de racionalização, de tapar o caos, foram jogados para fora das cidades tudo que não cabia no plano: em Brasília, os pobres foram para as cidades-satélite. No Rio de Janeiro, os antigos habitantes do Morro do Castelo foram para favelas.
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