E agora, STF? O devido processo legal é “relativo”?
Primeiras reações mostram corte escondendo a cabeça na areia, diante de fatos que não se pode minimizar
O que fará o STF diante das evidências, apresentadas pela Folha de S. Paulo, de que os gabinetes de Alexandre de Moraes na própria Corte e no TSE interagiram de maneira irregular, embaralharam os ritos de investigação e processo e ainda inventaram artimanhas para fingir que nada de estranho estava acontecendo?
Os primeiros sinais não são nada encorajadores.
Moraes emitiu uma nota dizendo que está tudo ótimo, que todos os procedimentos que adotou foram “oficiais e regulares”.
O Antagonista apurou bastidores e relata que Luis Roberto Barroso, presidente do Supremo, e outros integrantes do tribunal não viram nenhuma “ilegalidade gritante” nas mensagens entre assessores de Moraes.
Segundo um dos ministros, não houve “troca de informações entre duas partes distintas de um processo“, o que deixaria tudo dentro dos conformes.
“Quando ele cisma, é uma tragédia”
É falso que o avestruz enterre a cabeça na areia diante do perigo. O STF, no entanto, está fazendo exatamente isso.
O escândalo da Vaza Toga revela, entre outros fatos, que Alexandre de Moraes fisgou na internet posts que desejava incluir nos inquéritos das fake news e das milícias digitais.
Mandou em seguida que seu juiz auxiliar Airton Ferreira encomendasse um relatório sobre aqueles conteúdos à equipe do TSE responsável pelo policiamento de discursos na internet, a cada vez mais sinistra Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED).
Na sua conversa com Eduardo Tagliaferro, chefe da AEED, Airton Ferreira observa que Moraes está impaciente: “Quando ele cisma, é uma tragédia.”
O relatório é redigido segundo as instruções do ministro e, dias depois, embasa duas decisões que determinam muito mais que a retirada de posts das redes sociais: a quebra de sigilo bancário e telefônico, a retenção de passaportes e a oitiva dos autores pela Polícia Federal.
Rotina de simulações
Se não existe nesse caso “troca de informações entre duas partes distintas de um processo” é apenas porque Moraes concentrou em si todos os papeis. Ele investigou, acusou e decidiu.
Não é só isso. A Vaza Toga também mostra que os gabinetes do STF e do TSE estabeleceram uma rotina de simulações.
Quando os inquéritos das fake news e das milícias digitais deixarem de ser sigilosos, como supõe-se que ocorrerá um dia, ilustrarão procedimentos “oficiais e regulares”, como disse Moraes.
Acontece que isso é produto de um teatro combinado entre assessores, que sabiam estar recorrendo, muitas vezes, a ritos irregulares.
“Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Fica chato”, diz Airton Vieira numa mensagem.
Valores relativos?
Nos últimos anos, o STF se dedicou a demolir a Lava Jato com base num discurso garantista, de defesa do devido processo legal. Jogou no lixo montanhas de provas de corrupção, livrou a cara de políticos e empresários sem escrúpulos e até mesmo exportou impunidade, sob a alegação de que é imprescindível preservar as regras do jogo no Judiciário.
Com as revelações da Vaza Toga, será que o tribunal vai tornar esses valores “relativos”, assim como Lula faz com a democracia?
Não é possível dourar essa pílula.
O STF terá de demonstrar rapidamente que a concentração de poderes nas mãos de Alexandre de Moraes foi longe demais e que não contemporiza diante de chicanas montadas em seus próprios corredores.
Mesmo isso não deve impedir que uma reação venha do Congresso.
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