Da facada ao tiro: os estímulos por trás da violência política Da facada ao tiro: os estímulos por trás da violência política
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Da facada ao tiro: os estímulos por trás da violência política

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Felipe Moura Brasil
9 minutos de leitura 15.07.2024 17:10 comentários
Análise

Da facada ao tiro: os estímulos por trás da violência política

Como a demonização (que se difere da crítica legítima) e o politicamente correto (que se difere da preocupação social) contribuem para um ambiente propício a atentados, como os sofridos por Bolsonaro e Trump

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Da facada ao tiro: os estímulos por trás da violência política
Foto: Reprodução

Scott Adams, o autor das tirinhas Dilbert que previu em 2015 a vitória de Donald Trump em 2016, alertou em seu livro “Ganhar de lavada: Persuasão em um mundo onde os fatos não importam” que rotular um candidato como Hitler pode levar a tentativas de matá-lo.

A obra foi publicada nos Estados Unidos em 31 de outubro de 2017 e a edição brasileira saiu em 7 de maio de 2018, quatro meses antes da facada de Adélio Bispo no então candidato Jair Bolsonaro, desferida em 6 de setembro daquele ano eleitoral, em Juiz de Fora, Minas Gerais.

Na página 220 da edição original em inglês se lê o seguinte trecho, aqui traduzido:

“Os apoiadores de [Hillary] Clinton estavam fazendo um bom trabalho ao rotular Trump como Hitler. Fizeram um trabalho tão bom que talvez um quarto do país imaginou Trump sendo eleito e autorizando campos de concentração para imigrantes ilegais logo no primeiro dia.

Este é o tipo de rotulação perigosa que pode levar à morte de um candidato. Afinal, se você tivesse a chance de matar Hitler e salvar milhões de vidas, você não teria a obrigação moral de fazê-lo?

(…) As acusações de Hitler evoluíram da hipérbole para o medo legítimo. As pessoas estavam literalmente com medo de Trump virar completamente Hitler no dia da posse. Foi um momento perigoso para ser Trump, com isso pairando sobre ele.

Mas Trump tinha proteção do Serviço Secreto, e aparentemente eles fazem um ótimo trabalho.”

Serviço Secreto

Nem sempre o Serviço Secreto faz um ótimo trabalho, como se constatou no sábado, 13 de julho de 2024, quando um morador do subúrbio de Bethel Park na cidade de Pittsburgh, Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, tentou matar Trump com tiros de AR-15 — um dos quais atingiu de raspão a orelha do ex-presidente e atual candidato do Partido Republicano —, após ter subido e deitado em um telhado a 130 metros de um comício no condado de Buttler, também no estado da Pensilvânia.

Um apoiador de Trump, o bombeiro Corey Comperatore, foi atingido enquanto protegia a família dos tiros e morreu. Outros dois espectadores ficaram gravemente feridos, segundo o Serviço Secreto, que ao menos eliminou o “atirador” logo após os disparos. A reação certeira de um dos “snipers” deitados em outro telhado não exime, no entanto, o SS de responsabilidade pelas falhas na prevenção.

Tanto que sua diretora, Kimberly Cheatle, enfrenta uma avalanche de críticas, incluindo um abaixo-assinado cobrando sua demissão por negligência em avaliações de risco, favorecimento de políticas identitárias radicais em detrimento do mérito e criação de padrões distintos para homens e mulheres. Suas políticas, segundo os críticos, vêm prejudicando o desempenho do SS em fornecer segurança e resultaram em omissão no atentado a Trump.

Cota feminina

Um dos exemplos ilustrativos do histórico da diretora é o caso de uma agente (mulher) que fracassou no curso de julgamento situacional, demonstrando incapacidade de distinguir bandidos e civis inocentes. Cheatle, então Agente Especial Encarregada do Centro de Treinamento Rowley, autorizou sua formatura mesmo assim, para cumprir a cota feminina.

Eu, Felipe, aponto há cerca de dez anos que o politicamente correto facilita o terror (procure no YouTube essa formulação), assim como, muito antes de ler o livro de Adams, repudiei desde as campanhas de 2016 de Trump e de 2018 de Bolsonaro, em numerosos artigos, comentários e vídeos, a demonização de ambos como Hitler, mostrando, inclusive, que ela dilui e enfraquece críticas legítimas, das quais ambos são merecedores, e acaba legitimando a narrativa dos dois — e de influenciadores a seu serviço — como perseguidos políticos em todos os casos.

Facada cultural

Por isso, no dia da facada em Bolsonaro, publiquei no Facebook:

“A demonização é a facada cultural.

Quem pinta como demônio a pessoa de quem não gosta, ou de quem diverge, ou cujo comportamento repudia, rasga a correspondência entre palavras e realidade, e infecciona o ambiente das ideias com ódio, exacerbado ante o ‘perigo à democracia’, o ‘risco’ de ela chegar ao poder.

Se para impedir essa pessoa de vencer uma eleição, velhos analistas e editores influentes rebaixam os critérios de exposição e análise dos fatos, por que, pela necessidade pregada por eles, a militância fanática não rebaixaria ainda mais os freios morais de suas ações?

Esfaquear um ‘extremista homofóbico, misógino, xenófobo e racista’, um ‘fascista’, um ‘nazista’, um ‘Hitler’!, para impedi-lo de impor uma ditadura de ‘machos, ricos e brancos’ no país, vira então um ato de fé, cometido em nome de ‘Deus’, assim como, analogamente, qualquer ato de terrorismo islâmico.

A aversão ao dever de se ater aos fatos; de despir-se de ranços pessoais, políticos e ideológicos; de repudiar excessos sem amplificá-los; de cobrar punições com argumentos técnicos, em vez de disparar rótulos como se fossem descrições; de manter o senso das nuances e das proporções para dar o devido peso a cada palavra e atitude, em vez de igualar o inigualável – a aversão a tudo isso, enfim, a desonestidade intelectual dos responsáveis pela legitimação das narrativas circulantes, resulta em demonização.

E a demonização legitima culturalmente a barbárie, depois da qual os responsáveis culturais por ela culpam a vítima duplamente esfaqueada.”

Hitler

Um mês após a facada, em vídeo de 4 de outubro de 2018, o PT já associava Bolsonaro a Hitler, como havia feito, em 11 de julho, com o ex-juiz Sergio Moro. A demonização (que repito: difere da crítica legítima) tampouco parou nos EUA.

Em 5 de julho de 2024, uma semana antes do atentado a Trump, a “jornalista” Joy-Ann Reid, âncora da emissora de TV americana MSNBC, utilizou em vídeo no TikTok a retórica estimuladora da violência política, ao mandar recado aos membros do Partido Democrata que discutem a eventual substituição de Joe Biden:

“Quando vocês terminarem de brigar entre vocês, avisem-me em quem eu tenho que votar em novembro para manter Hitler fora da Casa Branca. A propósito: se for Biden em coma, eu votarei em Biden em coma. Eu, particularmente, nem gosto do cara. De várias políticas dele, eu não gosto. [Mas] Ele não é Donald Trump, certo? Sim. Hitler, Casa Branca, nós o mantemos fora.“

Em 25 de janeiro, Reid já havia traçado em maiores detalhes a alegada equivalência:

“Como Trump, Hitler também era visto como um palhaço, um jagunço que poderia ser mantido na linha. E ainda há as acomodações que a mídia faz com a autocracia. Em novembro de 1922, o New York Times deu aos seus leitores seu primeiro vislumbre de Hitler, foi um perfil da ascensão precoce do líder fascista na Baviera, [estado do sudeste] na Alemanha. Eles pegaram um ponto-chave muito equivocado, afirmando que ‘o antissemitismo de Hitler não era tão violento ou genuíno quanto parecia’. Antes de subir ao poder, Hitler encenou um golpe conhecido como o Putsch da Cervejaria. Foi um golpe que fracassou. Parece familiar? Hitler foi preso por isso, mas o golpe fracassado estabeleceu o terreno para a Alemanha nazista. E quando ele foi libertado da prisão, pouco mais de um ano após o golpe fracassado, o Times ofereceu essa avaliação infeliz e incorreta, de que Hitler havia sido domesticado pela prisão. No ano seguinte, ‘Mein Kampf’ foi publicado. Muito disso parece familiar.”

Banalização

É legítimo criticar a conduta de Trump no movimento que resultou na insurreição de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio, sede do Congresso americano (como fiz, antes e depois, na minha então coluna na Crusoé), assim como a de Bolsonaro em relação ao 8 de janeiro de 2023. Já acusá-lo de Hitler, como se tivesse matado ou estivesse prestar a matar milhões de pessoas inocentes em razão disso, não só banaliza o Holocausto, como contribui para o ambiente de violência política que agora o presidente dos EUA, outros líderes do Partido Democrata e a imprensa amiga dizem repudiar.

Evocado por esse lado do espectro ideológico, o debate sobre o grau de permissividade das armas é legítimo, mas, como as armas são ferramentas usadas para potenciais assassinos atingirem objetivos mortíferos mais ou menos definidos em suas cabeças, com frequência esse debate é usado para acobertar as responsabilidades daqueles que exercem influência sobre as cabeças de todos.

O ator republicano James Woods compartilhou a montagem de uma série de vídeos que mostra, nas palavras dele, “a mídia esquerdista chapa-branca servindo seus mestres democratas”, com a rotulação perigosa de Trump.

“Assistindo a esta repugnante cavalgada de ódio destes chamados jornalistas, é surpreendente que o presidente Trump não tenha sido baleado antes disso.”

Eu, Felipe, havia compartilhado um vídeo similar, em 14 janeiro de 2017, quando a IstoÉ publicou uma capa equiparando Trump ao líder nazista.

“Fazer alusão a Hitler com rosto de Trump em capa de revista, inserindo título em lugar do bigode: Isto Não É Jornalismo; Isto É O Cúmulo da Demonização. Até mesmo porque Trump defende os judeus. Para saber de onde imprensa brasileira tira demonização de Trump como Hitler, veja exemplos da americana.”

“Políticas tóxicas”

No editorial “O que nós queremos fazer, América?”, publicado na noite do atentado a Trump, o jornal Washington Post refletiu:

“Neste momento, temos que reconhecer que todos nós fomos tocados por políticas tóxicas — independentemente de nossas crenças ou de onde nos enquadramos em um espectro ideológico. Este pode, então, ser um momento para fazer uma pausa e redescobrir nossos melhores ‘eus’? Ouvir nossas vozes internas tão claramente quanto ouvimos esses tiros Americanos, o que queremos ser?”

A pergunta, antes tarde do que nunca, também é válida a a brasileiros e demais cidadãos — sobretudo jornalistas — deste mundo contemporâneo, marcado pelo sectarismo que, ao demonizar, também desumaniza o outro, até o ponto em que ele é visto por mentes perturbadas como as de Adélio e Thomas como um alvo a ser eliminado por obrigação moral.

Nunca é por falta de aviso, mas de vergonha.

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