Josias Teófilo na Crusoé: Ariano Suassuna na Disney
Entre regionalismo ferrenho e cosmopolitismo, dramaturgo foi um dos responsáveis pelo aprofundamento do fosso entre essas duas tendências
Em sua coluna semanal para Crusoé, Josias Teófilo escreve nesta edição sobre um conto de Ariano Suassuna em que o escritor define que a humanidade é dividida em duas categorias: aqueles que foram à Disney e aqueles que não foram.
O escritor Ariano Suassuna conta que, após a cerimônia de posse na Academia Pernambucana de Letras, foi jantar na casa de um casal grã-fino no Rio de Janeiro. Lá a senhora, dona da casa, o perguntou: “O senhor naturalmente já foi à Disney, não foi?”. Ariano estranhou a pergunta: primeiro a intimidade com o nome do local, Disney em vez de Disneylândia, segundo a assunção de que ele já teria ido, e por fim a decepção em saber que ele não foi e nunca saiu do Brasil. Ariano concluiu que a sua anfitriã divide a humanidade em duas categorias: aqueles que foram à Disney e aqueles que não foram.
A anedota contada por Ariano em uma de suas aulas-espetáculo é bastante significativa, apesar do tom humorístico. No Brasil das últimas décadas, e especialmente em Pernambuco, que tem uma cultura popular forte e pujante, a oposição entre regionalismo e cosmopolitismo se intensificou. É verdade que cultura internacionalizada – especialmente norte-americana – tem levado a melhor. Os adolescentes ouvem muito mais Taylor Swift do que Alceu Valença, evidentemente. Cantam mais em inglês que em português, também. Mas o outro lado – o regionalismo – fechou-se em si mesmo, por assim dizer fossilizou-se. No Carnaval de Pernambuco, canta-se rigorosamente as mesmas músicas desde que a geração dos meus pais o frequentava – não que isso seja ruim em si mesmo, mas é difícil estimular as gerações mais recentes sem um tempero novo.
A questão é que o próprio Ariano Suassuna foi um dos responsáveis pelo aprofundamento do fosso entre essas duas tendências. Tratemos de que forma isso aconteceu.
O regionalismo cultural nordestino nasceu no Congresso Regionalista de 1926, liderado pelo sociólogo Gilberto de Mello Freyre. Ele, que nasceu em 1900, era um jovem de 26 anos. Freyre havia feito os estudos superiores nos Estados Unidos, onde escreveu sua tese sobre a formação social brasileira, em inglês. Ele teve o impacto de ver o racismo e a segregação racial naquele país — e descobriu o Brasil, por contraste àquele contexto que presenciou. A ida dele ao exterior é importantíssima na sua formação e na elaboração do seu pensamento. Poucos anos depois de voltar do exterior, ele realiza o Congresso Regionalista — do qual resultou o Manifesto Regionalista, hoje publicado em livro, no qual é dito que “talvez não haja região no Brasil que exceda o Nordeste em riqueza de tradições ilustres e em nitidez de caráter”.
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