O centrismo, essa heresia
Nada deixa petistas e bolsonaristas mais confusos e irritados do que gestos de moderação
Nada é mais perturbador para petistas e bolsonaristas do que demonstrações de moderação. Nada os deixa mais em pânico ou furiosos.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tem causado esse desconcerto em crentes de ambos os lados da divisão política.
Na última sexta-feira, 7, ao mesmo tempo que revelava ter convivido bem com Dilma Rousseff quando participou do governo da petista, mesmo sem concordar com ela politicamente, ele reclamou do patrulhamento a que é submetido pelo radicalíssimo Silas Malafaia, que o acusa de trair o bolsonarismo por não se comportar o tempo todo como um cão hidrofóbico.
Do lado da esquerda, observa-se a necessidade permanente de “desmascarar” os gestos moderados de Tarcísio de Freitas como farsas de um político que, no fundo, não difere em nada de seu padrinho Jair Bolsonaro, como demonstrariam suas políticas de segurança pública e sua defesa das escolas cívico-militares. “Bolsonarista que sabe usar garfo e faca” é a fórmula empregada para desqualificá-lo.
Um centro viável
Não pretendo defender Tarcísio de Freitas neste artigo. Isso equivaleria a fazer o que Celso Rocha de Barros, colunista da Folha de S. Paulo, fez no final de maio em relação a Lula, procurando apontar suas concessões ao centro na economia e na composição do governo (Alckmin, Tebet e, de novo, a turma de Kassab).
A esta altura do campeonato – junho de 2024, faltando cerca de dois anos para a próxima eleição presidencial – interessa-me na verdade discutir o que pode ser uma posição centrista viável na política brasileira. Um centro que não viva das migalhas de atenção que os pragmáticos ou espertalhões da direita e da esquerda estão dispostos a lhe dar, sabendo que sem isso não há vitória possível nas urnas.
O efeito enervante dos gestos de moderação sobre os radicais é um ponto de partida para mostrar que o centro tem substância. Petistas e bolsonaristas raiz ficam aflitos quando alguém do seu time faz um aceno para o outro lado: isso rouba deles a tranqulidade das certezas absolutas, da convição de que toda a justiça e toda a razão estão decantadas na ortodoxia que eles seguem.
O centro, pelo contrário, aceita que o pluralismo é uma condição incontornável da vida nos tempos de hoje. Por isso, defende a tolerância como um valor fundamental. A alternativa à tolerância é a guerra civil – como já foi o caso 500 anos atrás, na época das guerras de religião na Europa.
Mas isso é muito abstrato.
Tolerância sem moleza
Uma reportagem publicada pelo Estadão na quarta-feira, 5, mostrou como a polarização afetou os partidos políticos brasileiros. Enquanto PT e PL conquistaram mais filiados nos últimos quatro anos, partidos tradicionalmente associados ao centro ou ao “centrão”, como MDB e PSDB, viram seus quadros encolherem.
A reportagem remete a uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), segundo a qual ver o seu grupo triunfar nas eleições não é o único motivo para que um eleitor dedique seu tempo à política: derrotar o inimigo tem quase a mesma importância como fator de engajamento, impulsionando a filiação partidária. Os pesquisadores chamam isso de “engajamento pelo ódio”.
Se a tolerância é um valor fundamental para a política de centro, é óbvio que ela não pode trabalhar com a ideia de engajamento pelo ódio. Mas também não chegará a lugar nenhum se não assumir uma posição de combate contra seus adversários à esquerda e à direita. Moderado não pode ser sinônimo de “morno” ou “mole”, sob pena de não mobilizar ninguém.
Políticas públicas
Uma das características do centro é avaliar e defender políticas públicas por seus méritos, com base em evidências, e não por mero reflexo ideológico.
O centro leva a sério, por exemplo, os dados que mostram que câmeras corporais, onde foram adotadas, melhoraram o trabalho da polícia e a confiança dos cidadãos nos policiais.
Também encara o fato que a indexação de despesas pelo salário mínimo e os gastos obrigatórios com saúde e educação, tal como previstos na Constituição de 88, se tornaram disfuncionais e precisam ser repensados, depois de 45 anos.
O centro pode e deve fazer esse tipo de avaliação mostrando a covardia e a acomodação dos políticos que não mexem nesses vespeiros por medo de cara feia dos que compõem sua base.
Parasitismo
O centro, é óbvio, precisa de políticos dispostos a disputar eleições pensando no médio prazo, em vez de praticar o parasitismo tão caro ao Centrão e tão bem exemplificado pelo PSD de Gilberto Kassab, que consegue se aninhar tanto no governo de Lula quanto no de Tarcísio de Freitas. Esses políticos são difíceis de encontrar. O parasitismo é vantajoso e não acarreta responsabilidades.
Sei que é tolo ficar listando mandamentos. Mas este artigo resulta menos da certeza de dispor de uma receita para o centro do que do desgosto de imaginar mais uma eleição em que direita e esquerda vão cortejar o eleitor não alinhado atirando-lhe farelos.
Minha única certeza é que a conversa sobre o centro precisa começar agora. e não em junho de 2026. Aceito sugestões.
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