Uso aqui uma palavra que o ministro Luiz Roberto Barroso usou bastante para se referir ao que vemos hoje: vingança. A Lava Jato está sendo tratada como alvo primordial do governo Lula, que conta com a ajuda do bolsonarismo na empreitada.
Primeiro foi o mandato de Deltan Dallagnol, cassado de maneira absolutamente inexplicável. Agora miram no mandato de Sergio Moro. Além disso, os juízes da Lava Jato de Curitiba foram afastados de suas funções em procedimento agora revertido e publicamente condenado pelo ministro Barroso.
Ao mesmo tempo, são anuladas as multas bilionárias que as empresas envolvidas se propuseram a pagar nos acordos de leniência. Todos os figurões são soltos, inocentados, têm suas sentenças revistas. Até mesmo casos confessos, como Sergio Cabral, conseguem reversão.
Podem existir justificativas técnicas para cada uma das decisões, é uma possibilidade. Impossível é explicar o conjunto da obra à população, que vê um movimento de vingança do mundo político contra a Lava Jato.
Quem protagoniza a ópera alega que a operação se excedeu nos métodos, cometeu ilegalidades, prendeu para provocar confissões. Os mesmos métodos, no entanto, são utilizados agora por quem alega que eles são indevidos.
Pode parecer que o Poder Judiciário se agigantou agora e sua cúpula resolveu avançar sobre os demais poderes. Entendo que é justamente o contrário. A força do Judiciário está no colegiado e no caráter técnico. O protagonismo individual e a mistura com o mundo político vão enfraquecer o Judiciário no médio e longo prazos.
Os Poderes Legislativo e Executivo são políticos, são vistos assim e, por isso, os mandatos não são para sempre, precisam ser referendados periodicamente pela população. A cada quatro ou oito anos, é o povo quem decide quem está no poder.
No Judiciário não, a lógica é outra. Mesmo nas instâncias em que a indicação é política, ela não é livre nem de escrutínio popular. O componente técnico é indissociável e este é um diferencial importante, que se minimiza quando as decisões são vistas como políticas.
Uma democracia sobrevive a políticos ruins, já que eles são trocados sempre. Não sobrevive, no entanto, quando a população deixa de confiar no Judiciário.
Há quem alegue que já não confia. Discordo. Reclama, mas confia. Recorra à sua própria experiência. Se alguém te xinga numa rede social, se uma loja entrega um produto com defeito, se alguém não te paga, qual a primeira reação quando você conta essa história? “Merece um processinho”, não é. Ou seja, o brasileiro, apesar de todas as reclamações e discordâncias, ainda confia no Judiciário.
Ao se colocar como feitor da Lava Jato, o Judiciário pode até dar vitória individual a uma de suas alas, mas está matando a galinha dos ovos de ouro.