O Planalto em chamas
Conflito entre Congresso e STF parece continuação do governo Bolsonaro, mas motivação agora é aumento de blindagem e poder dos parlamentares
Nesta quarta-feira (16), o ministro do STF Alexandre de Moraes apareceu de surpresa no Congresso. Conversou com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, tentando fazer amigos e influenciar pessoas.
Lira ameaça dar início a uma CPI sobre abusos de autoridade do Supremo. Foi por isso que Moraes atravessou a Praça dos Três Poderes para tomar um cafezinho.
Mas a movimentação dos parlamentares contra os ministros do STF vai além disso, como é bem sabido.
Congresso versus STF
O Senado aprovou, na terça-feira (15), um projeto de lei que criminaliza o porte de drogas. Antecipou-se ao resultado de um julgamento que pode estabelecer a diferença entre tráfico e posse de maconha com base na quantidade de droga em poder da pessoa. Foi um “chega pra lá” no STF, um aviso para que a corte se abstenha de legislar no lugar do Congresso.
A Câmara, por sua vez, estuda acabar com o foro privilegiado, transferindo para outras instâncias, em vez do Supremo, o início dos julgamentos de deputados e senadores. Mais uma vez, o tribunal está prestes a encerrar um julgamento que terá o efeito contrário, ou seja, impedirá mudanças de foro depois que ações contra parlamentares começarem a tramitar no tribunal.
Brasília está em chamas. Ou melhor, continua em chamas. Afinal, as conflagrações que envolvem o Congresso e o STF tiveram início no governo Bolsonaro. Agora, no entanto, tanto a mangueira de água quanto o galão de gasolina estão nas mãos de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira.
Enquanto Bolsonaro esteve no poder, o senador e o deputado cuidaram de não amplificar suas diatribes contra o STF. Atualmente, eles dão trela aos parlamentares bolsonaristas. Há dois motivos para isso.
Os interesses de Lira e Pacheco
Primeiro, Lira e Pacheco estão no fim de seus mandatos como chefes das respectivas casas. Querem controlar a transição, preservando o máximo de influência, e estudam seus próximos passos na política. É importante para os dois reforçar seus laços com a direita.
A outra questão é estrutural. Com as emendas parlamentares impositivas, o Congresso ganhou autonomia frente ao Executivo. A luta agora é para reduzir o poder do STF sobre deputados e senadores, o que vai muito além de “evitar que os ministros legislem”.
Isso é mais evidente nas ações de Arthur Lira. Enquanto Pacheco e o Senado “mandam recados” ao STF por meio de votações como a da posse de drogas, o presidente da Câmara trabalha para tirar do Supremo a competência para julgar parlamentares. Quer também blindá-los contra diligências policiais e prisões preventivas.
STF e governo
Ministros de espírito maquiavélico, aqueles que se envolvem com gosto nas lutas de poder, como Gilmar Mendes, devem estar se perguntando se foi uma boa ideia destruir completamente os processos da Lava Jato. Será que não deveriam ter deixado algumas causas pendentes, como instrumento de barganha?
Livres de ações criminais – Artur Lira, por exemplo, tinha várias – os mandarins da política agora se sentem aptos a privar o STF de unhas e dentes.
Como mostrou a Folha de S. Paulo, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin jantaram com Lula na segunda (15). Foram em busca de aliança contra o Legislativo, afinal, o petista também enfrenta sérias dificuldades de articulação política, especialmente na Câmara.
Bolsonaristas dirão que Lula e o STF são cúmplices há muito tempo. Trabalharam juntos para tirar o atual presidente da cadeia e para impor uma derrota a Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Mas nada é assim tão simples.
Chantagens e escambos
O STF também livrou a cara de líderes do Centrão, que agora se voltam contra ele. Ao passo que Flávio Bolsonaro, que lá atrás já atuou contra a CPI da Lava Toga, disse recentemente no programa Roda Viva que não apoia pedidos de impeachment de ministros do STF – principalmente se a corte fizer a gentileza de encerrar inquéritos que podem levar seu pai, seu irmão Carluxo e outros membros de sua patota para a cadeia.
O Planalto é assim, tem sua própria lógica, sua própria linguagem. É a linguagem do poder e dos interesses. Ela opera com base em pressões, chantagens, escambos e eventuais acordos de cessar fogo. Princípios tem relevância secundária.
Para nós, na planície, os pontos de interesse são dois.
O que interessa
Em primeiro lugar, sim, o STF se tornou um tanto disfuncional. Não exerce poderes ditatoriais como alegam os bolsonaristas – esses anjinhos que sonharam com um golpe militar “do bem”. Mas tem laivos de autoritarismo ao lidar com liberdade de expressão, muda de jurisprudência ao sabor das conveniências políticas (como tantas vezes na Lava Jato), abusa das decisões monocráticas e decide questões que deveria deixar a cargo dos legisladores.
É preciso fazer com que a corte recalibre sua atuação.
A pergunta é se ampliar os poderes do Congresso, tornando a blindagem de que os parlamentares já dispõe ainda mais forte, representa a melhor solução. Lembremos que o deputado federal Chiquinho Brazão não foi preso preventivamente por qualquer coisa que tenha feito na Câmara, mas porque há indícios sólidos de que mandou executar a vereadora carioca Marielle Franco. Esse é um dos casos que atualmente mobiliza a Câmara contra o STF. Dificultar que seja investigado é o verdadeiro sentido de “proteger o mandato parlamentar”?
Brasília queima e os incendiários estão em toda parte.
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PS: O Planalto em Chamas é nome de um conto (e de um livro) do genial escritor mexicano Juan Rulfo (1906-1987). O título remete a uma cena em que o narrador, um guerrilheiro, descreve um incêndio iniciado por seu bando: “Era a época em que o milho já estava para ser colhido e os pés se viam secos e dobrados pelas ventanias que sopram nesse tempo sobre o Planalto. De modo que era muito bonito ver o fogo caminhando pelos pastos, ver quase todo o planalto transformado em pura brasa, naquela queimada, com a fumaça ondulando por cima, aquela fumaça perfumada a capim e a mel, porque o fogo também atingira os canaviais.”
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