Yanomamis contaminados por mercúrio
Pesquisa da Fiocruz revela contaminação em mais de 90% dos indígenas por mercúrio em nove aldeias yanomamis de Roraima
Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelou que quase toda a população de nove aldeias yanomamis em Roraima está contaminada por mercúrio. Os resultados, divulgados nesta quinta-feira, 4, foram obtidos a partir da análise de amostras de cabelo coletadas em outubro de 2022.
O estudo destaca a situação causada pelo garimpo ilegal de ouro na região e contribui para o aprofundamento do conhecimento sobre os impactos dessa atividade.
Diferentemente de metais como zinco, ferro e selênio, que desempenham papéis importantes no metabolismo humano, o mercúrio não possui nenhuma função metabólica e é considerado um contaminante químico. Desde os anos 1950, a ciência tem acumulado evidências dos efeitos prejudiciais desse metal para a saúde.
O estudo, intitulado “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente”, foi apoiado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e envolveu duas instâncias da Fiocruz: a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. As aldeias pesquisadas estão localizadas na região do Alto Rio Mucajaí e abrigam yanomamis do subgrupo ninam.
Amostras analisadas
Foram analisadas 287 amostras de cabelo de indivíduos de diferentes faixas etárias, incluindo crianças e idosos. Em 84% dessas amostras, foram encontrados níveis de mercúrio acima de 2,0 microgramas por grama de cabelo (µg/g), o que já requer notificação no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 10,8% das análises, os níveis ficaram acima de 6,0 µg/g, indicando a necessidade de atenção especial para essa parcela da população. Os indígenas que vivem nas aldeias mais próximas aos garimpos ilegais apresentaram os maiores níveis de exposição.
A Terra Yanomami é a maior reserva indígena do país, ocupando mais de 9 milhões de hectares nos estados de Roraima e Amazonas. Segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 27 mil indígenas vivem nessa área.
Garimpo ilegal
O garimpo ilegal é um problema antigo nesse território. O mercúrio é utilizado no processo de separação do ouro dos sedimentos e, como essa atividade é clandestina e busca evitar a fiscalização, geralmente não são adotadas medidas ambientais adequadas.
O mercúrio acaba sendo despejado nos rios e entra na cadeia alimentar dos peixes e outros animais. Além da contaminação, o avanço do garimpo ilegal tem sido associado a problemas como desnutrição e aumento da incidência de doenças, especialmente a malária, entre a população yanomami.
Descaso do governo com os yanomamis
Como mostrou Crusoé no começo deste ano, quase um ano após Lula dizer que Jair Bolsonaro abandonou os Yanomamis, praticamente nada mudou na maior terra indígena do Brasil. Em 2022 foram registradas 343 mortes de indígenas na região, 35 a mais que durante o primeiro ano de mandato do presidente petista, que registrou 308, 53% dessas mortes, em 2023, foram de crianças. Os dados são do Ministério da Saúde e foram compilados pelo portal G1.
Em janeiro, Lula deu uma declaração, dizendo que o país não pode “perder a guerra” contra o garimpo ilegal em Terras Indígenas Yanomamis na Amazônia. Se passarem 12 meses e ele não começou o combate contra. Em janeiro do ano passado, ele decretou estado de emergência de saúde pública na região.
Na época, o G1 identificou que o povo yanomami continua vivendo em situação de precariedade. Como em 2022, no início deste ano as imagens de crianças doentes, desnutridas, com ossos à mostra se repetem. A maioria das mortes na região são causadas por malária, pneumonia e desnutrição.
Segundo Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, que foi ouvido pelo portal, o garimpo ilegal segue a todo vapor na região.
“Os Yanomami ainda estão morrendo, enquanto o garimpo trabalha livremente e a saúde Yanomami está ruim. Não melhorou. O garimpo minimizou em três meses, mas depois voltou de novo”, diz Kopenawa à reportagem.
O Ministério da Saúde informou que em dezembro, havia apenas 7 médicos para atender a população de 31 mil indígenas yanomamis. Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Yanomami (Condisi-Y), diz ao G1 que o cenário no território é de “dor, doença e caos“.
Os danos causados pelo mercúrio
A presença de mercúrio no organismo pode afetar qualquer órgão ou parte do corpo humano. Danos aos rins, fígado e sistema cardiovascular, incluindo aumento da pressão arterial e risco de infarto, são alguns dos efeitos relatados. No entanto, o sistema nervoso central é geralmente o mais afetado. Os sintomas podem começar de forma sutil e evoluir ao longo do tempo, muitas vezes sendo difícil reconhecer a relação com a exposição ao mercúrio.
No cérebro, o mercúrio pode causar lesões definitivas e irreversíveis. Pessoas expostas cronicamente podem apresentar alterações sensitivas, como perda de sensibilidade nas mãos e pés, audição e paladar comprometidos, além de insônia e ansiedade. Também podem surgir problemas motores, como tontura, falta de equilíbrio e dificuldade de locomoção. Sintomas semelhantes à Síndrome de Parkinson e alterações cognitivas, incluindo perda de memória e dificuldade de raciocínio, também são relatados. Em casos mais graves, pode-se desenvolver um quadro semelhante ao da doença de Alzheimer.
Crianças e mulheres em idade fértil, especialmente gestantes, são os mais vulneráveis aos efeitos do mercúrio. A exposição ao metal durante a gestação pode causar má formação do feto e até mesmo aborto. As crianças podem apresentar problemas no desenvolvimento motor e de aprendizado. Um teste de coeficiente de inteligência realizado com 58 crianças yanomamis revelou um déficit cognitivo médio de mais de 30 pontos em relação à média esperada, indicando uma relação entre a exposição ao mercúrio, principalmente durante o período pré-natal, e esse déficit.
Ações emergenciais
Com base nos resultados encontrados, os pesquisadores recomendam uma série de ações emergenciais, como a interrupção imediata do garimpo – algo que o Lula promete faz tempo e não fez – e do uso de mercúrio, a retirada dos invasores das terras indígenas e a construção de unidades de saúde estratégicas na Terra Yanomami.
Além disso, é necessário realizar o rastreamento das comunidades afetadas, diagnósticos laboratoriais, elaboração de protocolos de tratamento para casos de intoxicação e criação de um centro de referência para acompanhamento de casos crônicos ou com sequelas reconhecidas.
Peixes contaminados
No caso da Terra Yanomami, a ausência de indústrias indica que a presença do mercúrio está relacionada principalmente ao garimpo ilegal. O estudo não detectou contaminação nas amostras de água analisadas, mas as amostras de peixe apresentaram altas concentrações de mercúrio, especialmente em espécies carnívoras como mandupé e piranha.
Além da contaminação por mercúrio, foram identificados outros problemas nas aldeias yanomamis, como alta prevalência de doenças infecciosas e parasitárias, baixa cobertura vacinal, anemia e desnutrição aguda em crianças e déficits de estatura para idade. A abertura de cavas pelos garimpeiros favorece o surgimento de reservatórios para larvas de mosquitos, aumentando os casos de malária, leishmaniose e outras arboviroses.
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