Empresa alvo da Lava Jato confessa nos EUA década de suborno no Brasil
Acordo confirma apurações da força-tarefa, atacada por ministros do STF
Enquanto o Supremo Tribunal Federal brasileiro garante impunidade e revisão de multas dos empresários envolvidos na maior roubalheira da história do país, os processos vão em sentido contrário nos Estados Unidos, confirmando as apurações da Lava Jato.
Acusado pela força-tarefa de ter lesado a Petrobras durante os governos do PT, o Grupo Trafigura se declarou culpado por uma década de suborno no Brasil, ao firmar um acordo de confissão com o Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em inglês) dos EUA em um tribunal federal de Miami nesta quinta-feira, 28.
Empresa internacional de comércio de commodities com operações primárias na Suíça, a Trafigura violou os dispositivos antissuborno da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês), pagará uma multa criminal de 80,4 milhões de dólares e terá 46,5 milhões de dólares confiscados, em linha com os 127 milhões de dólares que havia reservado em dezembro de 2023 para resolver o caso.
“Por mais de uma década, a Trafigura subornou autoridades brasileiras para obter negócios ilegalmente e obter mais de US$ 61 milhões em lucros”, disse a vice-procuradora-geral adjunta Nicole M. Argentieri, chefe da Divisão Criminal do DOJ. “A confissão de culpa de hoje sublinha que, quando as empresas pagam subornos e prejudicam o Estado de Direito, enfrentarão sanções significativas. O Departamento continua determinado a combater o suborno estrangeiro e responsabilizar aqueles que violam a lei.”
“Nosso escritório continuará a visar qualquer pessoa que use o Distrito Sul da Flórida para promover práticas estrangeiras corruptas e esquemas de suborno”, disse o procurador dos EUA para o Distrito Sul da Flórida, Markenzy Lapointe. “Continuaremos a trabalhar com nossos colegas da Divisão Criminal para identificar e processar os responsáveis, incluindo indivíduos e empresas.”
Aprendeu, STF?
Como mostrou O Antagonista nos últimos anos:
Em outubro de 2016, a Lava Jato prendeu, no aeroporto de Guarulhos, o empresário Mariano Marcondes Ferraz, que pagou propina para obter contratos na Petrobras para o Grupo Trafigura. No despacho que determinou a prisão, o então juiz Sergio Moro indicou que Ferraz “praticou crimes de corrupção e lavagem de dinheiro”.
Em março de 2017, Moro aceitou denúncia do Ministério Público Federal contra o empresário e detalhou o caso do pagamento de 870 mil dólares a Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento da estatal.
“A vantagem indevida teria sido paga por meio de oito transferências bancárias efetuadas por Mariano Marcondes Ferraz, pessoa física, e por intermédio de suas offshoresTik Trading S/A, Firmainvest Ltd e Firmapar Corp, as quais totalizaram USD 870.000,00, entre as datas de 19/05/2011 a 21/02/2014, em favor da conta OST Invest & Finance Inc, mantida no Banco Lombard Odier, sediado em Genebra, Suíça, cujo procurador e titular era Humberto Sampaio Mesquita e cujo beneficiário final era Paulo Roberto Costa.”
Em dezembro de 2018, no âmbito da Operação Sem Limites, a Lava Jato apontou a existência de 966 operações comerciais da Trafigura com a Petrobras ao longo de pouco mais de uma década, durante os governos de Lula e Dilma Rousseff.
Em novembro de 2019, a pedido da Lava Jato, o Ministério Público da Suíça fez buscas e apreensões em escritórios da Trafigura, em Genebra. Segundo o MPF, “a Trafigura, entre 2004 e 2015, realizou negócios com a Petrobras, em valor superior a US$ 9 bilhões, com foco em operações de compra e venda de petróleo e derivados”.
A procuradora da República Jerusa Burmann Viecili, integrante da força-tarefa, afirmou que “as operações da área comercial da Petrobras no mercado internacional constituem um ambiente propício para o surgimento e pulverização de esquemas de corrupção, já que o volume negociado é muito grande e poucos centavos a mais, nas negociações diárias, podem render milhões de dólares ao final do mês em propina”.
Em novembro de 2020, procuradores da Lava Jato em Curitiba apresentaram à Justiça uma ação de improbidade, pedindo bloqueios de até 1 bilhão de reais, contra a Trafigura, seus executivos, no Brasil e no exterior, e ex-funcionários da Petrobras.
Todos foram acusados de lesar a Petrobras em pelo menos 198,43 milhões de reais, ao favorecer a empresa em operações de compra e venda de petróleo, entre maio de 2012 e outubro de 2013. Segundo o MPF, a Trafigura pagou 6,86 milhões de reais de propina a ex-funcionários da área comercial da companhia, que também foram acusados de corrupção na Justiça criminal.
“Estima-se, de modo conservador, que essas 31 operações comerciais com a PETROBRAS realizadas graças aos acertos escusos permitiram que a TRAFIGURA enriquecesse ilicitamente em detrimento da estatal brasileira auferindo lucro bruto (gross profit) 14 de pelo menos US$ 37,3 milhões em valores históricos, ao revender para terceiros o óleo combustível adquirido da PETROBRAS, ou ao revender para a PETROBRAS o óleo combustível adquirido de terceiros, margem esta que poderia ter sido capturada pela estatal brasileira no mercado internacional caso as operações de compra e venda não houvessem sido ilicitamente direcionadas para a trading company em questão”, dizia a ação.
Entre os ex-executivos da Petrobras, foram acusados Marcus Alcoforado e Jorge Rodrigues. Rodrigo Berkowitz, que também teria participado, delatou o esquema.
Da Trafigura, foram acusados Márcio Magalhães (representante no Brasil), Tim Waters (EUA), Andy Summers, José Larocca e Mike Wainwright (Suíça), além de seis empresas estrangeiras que fazem parte do grupo empresarial diretamente beneficiadas.
Essa é a década do suborno, exposta pela Lava Jato e confirmada nos EUA, que vem sendo varrida para baixo do tapete pelo STF.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)