Navalny: o sopro de liberdade que desafia Putin Navalny: o sopro de liberdade que desafia Putin
O Antagonista

Navalny: o sopro de liberdade que desafia Putin

avatar
Catarina Rochamonte
7 minutos de leitura 02.03.2024 22:39 comentários
Análise

Navalny: o sopro de liberdade que desafia Putin

Nossa época clama por homens reais, como Alexei Navalny, cuja autenticidade inseriu valor na ação política, reunindo, com o seu sopro de liberdade criadora, as vontades dispersas e difusas

avatar
Catarina Rochamonte
7 minutos de leitura 02.03.2024 22:39 comentários 0
Navalny: o sopro de liberdade que desafia Putin
Reprodução/Instagram

Um homem foi enterrado na Rússia. Chamava-se Alexei Navalny. Em circunstâncias adversas, sob frio intenso, sob ameaça de retaliações e prisões, uma multidão esteve presente nos rituais fúnebres para as derradeiras homenagens àquele que denunciou a corrupção e a tirania do Kremlin e que ousou desafiar o poder de Vladimir Putin, pagando o seu ato de coragem com a própria vida.

A morte do opositor era esperada. Putin já o havia mandado envenenar em 2020. O filme “Navalny”, produzido pela CNN e que, em 2023, ganhou o Oscar de melhor documentário, traz os detalhes dessa tentativa de assassinato, contextualizando o episódio do envenenamento e mostrando os bastidores da vida do político até a sua prisão.

Mesmo sabendo que certamente seria preso e que sua vida estaria novamente em risco, Navalny tomou a decisão de deixar a Alemanha e retornar à Rússia tão logo sua saúde foi reestabelecida. Ele foi detido assim que desembarcou em Moscou e, durante três anos, esteve submetido a frio, fome e a um confinamento opressivo na colônia “lobo polar”, uma remota e inacessível prisão, localizado na Sibéria, onde a temperatura se aproxima de -40°C no inverno.

A sua prisão provocou uma onda de protestos, seguida de dura repressão, com cerca de 1600 pessoas detidas. Os russos foram corajosos, naquela ocasião, e também neste 1 de março de 2024, quando cantaram, em frente à igreja onde seu corpo foi sepultado: “Você não teve medo e nós não temos medo”.

De que lado estamos?

O mundo livre está cada dia mais preocupado com Putin. O tirano já deu provas de que seu método é a crueldade, tanto na política externa quanto na política interna. A invasão da Ucrânia e o modo com Navalny e seus outros opositores sucumbiram, expõe o caráter reprovável do chefe do Kremlin e faz um chamamento à consciência daqueles que buscam se posicionar diante dos conflitos bélicos atuais e das ideologias.

É preciso reavaliar posicionamentos políticos a partir da recuperação de princípios básicos, mesmo que o evento em questão não nos toque particularmente enquanto brasileiros. Somos seres humanos, não somos? Precisamos, pois, repudiar a cumplicidade com ditadores que desprezam os direitos humanos e cujas ações dizem respeito mais à tentativa de manutenção de um poder do que à salvaguarda do indivíduo diante dele.

O mundo se posiciona hoje em torno de duas tendências díspares: uma tendência autoritária e autocrática e uma tendência democrática e liberal. Pela forma como os políticos se movimentam em torno das figuras proeminentes desse mundo em conflito podemos avaliar o teor de suas próprias tendências.

Por que o nosso país não se posiciona conforme as democracias consolidadas do Ocidente, mas apoia em discursos e em gestos as tiranias em voga e em vias de formação?

É vergonhoso e deplorável o alinhamento do Brasil com a Rússia e o cinismo com que o presidente Lula tratou a morte do principal opositor do autocrata russo, ao comentar que a morte estava sob suspeita e que era preciso fazer uma investigação para dizer que “o cara morreu disso ou daquilo”.

A liberdade criadora de Alexei Navalny

Em artigo publicado no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, Andreas Rüesch escreve que o destino de Alexei Navalny revela muito sobre a Rússia de hoje. Putin, escreve o ex-correspondente no NZZ em Moscou, “garantiu o seu lugar nos livros de história como o tirano que mergulhou a Rússia na ruína com a guerra megalomaníaca contra a Ucrânia. Inextricavelmente ligados a isto estão os crimes contra os adversários como Navalny. O seu caso cristaliza o mal que está corroendo a Rússia. O país está consumido pela corrupção e a sua elite está enriquecendo a um nível que teria sido impensável mesmo nos tempos soviéticos”.

O artigo segue explicando que o país está sufocado, perdendo os seus melhores talentos e afirma que “a Rússia precisa, como o ar para respirar, de uma capacidade de organização como a de Navalny.” O ar que Navalny respirava e que ele soprou na Rússia chama-se liberdade.

Todos os países deveriam orgulhar-se de um conjunto criativo de energia como Alexei Navalny”, escreveu Andreas Rüesch. “Ele não era um político comum; ele revolucionou o trabalho da oposição com sua originalidade, novos métodos de pesquisa, talento organizacional e uma refrescante dose de humor. Além disso, ele era acessível no contato pessoal, com graça e sem pedantismo. Navalny tinha carisma, uma qualidade que falta a toda a equipe do Kremlin. Pessoas como ele vão longe em países livres. Na Rússia eles estão morrendo”.

Testemunho x ideologia

Os que querem ver a Rússia como o império glorioso de outros tempos não entenderam ainda que a verdadeira grandeza é a do espírito e que a grandeza do espírito humano só se expressa na liberdade. A nação que a sufoca perece em vez de se engrandecer.

Milhares de russos afrontaram Putin e prestaram as últimas homenagens a Alexei Navalny, expressando deferência àquele que pereceu por um ideal e que fez ressurgir nos jovens a coragem de lutar para ser livre.

Nenhum tirano é capaz de sufocar o desejo humano por justiça e liberdade e nenhum poder temporal é capaz de arrefecer o ânimo de luta política daqueles que são movidos por verdadeiros valores.

Para aqueles que estiveram presentes no velório, Navalny não era apenas um corpo inerte e inanimado, ele representava a coragem e o vigor daqueles que compreendem que a justiça só se conquista com valor e testemunho.

Testemunhar é agir de acordo com a verdade apregoada; é fazer a vida dar sinal do discurso e modular o discurso em consonância com a vida. Testemunhar é assumir os riscos das escolhas e aceitar a dor das consequências; é elevar-se além do raciocínio pragmático do autointeresse e das contradições das ideologias.

Ideologias não induzem ao testemunho, mas ao fanatismo. A ideologia conduz a uma ação cega, obnubilada, obcecada e, por vezes, cruel, em nome de uma crença não refletida, mal assimilada e descolada da verdadeira natureza das coisas.

O testemunho, pelo contrário, conduz à superação do fanatismo e do egoísmo porque, estando em consonância com a verdade, abre espaços de reflexão mais profundos, mais espiritualizados, mais sublimes. O verdadeiro testemunho é aquele que se eleva aos verdadeiros valores. O ato heroico não se coaduna com a mediocridade nem com a vilania.

O verdadeiro homem e o falso líder

Não temos mais tempo para falsos heróis ou falsos profetas. Nossa época clama por homens reais, como Alexei Navalny, cuja autenticidade inseriu valor na ação política, reunindo, com o seu sopro de liberdade criadora, as vontades dispersas e difusas.

Homens reais e autênticos são mais veneráveis que falsos mitos que se autoproclamam líderes e conduzem as massas. A diferença é sutil. Mas aqueles que estiverem atentos haverão de reconhecer e separar o verdadeiro homem do falso líder. Os nossos falsos líderes estão hoje ao lado do tirano que assassinou um verdadeiro homem.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

"Sem anistia!" Para Lula também?

Visualizar notícia
2

Crusoé: Comunista Flávio Dino é tudo, menos juiz

Visualizar notícia
3

Mancha misteriosa em imagem de santa intriga fiéis em Goiás

Visualizar notícia
4

Os fantasminhas da Embratur

Visualizar notícia
5

Mais uma frente contra o Janjapalooza

Visualizar notícia
6

Mercadão de sentenças nos tribunais brasileiros?

Visualizar notícia
7

Tropas russas cruzam inesperadamente rio Oskil, em Kharkiv

Visualizar notícia
8

Crusoé: O que pensa o presidente uruguaio eleito sobre Venezuela

Visualizar notícia
9

Prefeitura de SP reclama de "retrocesso" de Dino sobre cemitérios

Visualizar notícia
10

Kamala Harris e o fiasco financeiro de sua campanha de US$ 1,5 bilhão

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

App bet365 - Tutorial para baixar e instalar o aplicativo em 2024

Visualizar notícia
2

Pacheco fala em 'divergência respeitosa' com Arthur Lira

Visualizar notícia
3

(25/11) Cestas básicas do CRAS: benefícios e como solicitar

Visualizar notícia
4

Golpes contra empresários: Entenda as fraudes mais comuns e como evitá-las

Visualizar notícia
5

CCJ da Câmara volta a analisar PEC do aborto

Visualizar notícia
6

Meio-Dia em Brasília: Os próximos passos das investigações que miram Jair Bolsonaro

Visualizar notícia
7

Moraes deve entregar indiciamentos da PF até amanhã à PGR

Visualizar notícia
8

Crusoé: O que pensa o presidente uruguaio eleito sobre Venezuela

Visualizar notícia
9

Concurso PM (25/11): 335 vagas disponíveis e todos os detalhes

Visualizar notícia
10

Ali Khamenei quer pena de execução para Benjamin Netanyahu

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Alexei Navalny Rússia Vladimir Putin
< Notícia Anterior

Confira os adversários de Grêmio e Inter nas quartas de final do Gauchão

02.03.2024 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Corinthians é eliminado do Paulistão após vitória da Inter de Limeira

02.03.2024 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Catarina Rochamonte

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Crusoé: O meme é a mensagem de Elon Musk

Crusoé: O meme é a mensagem de Elon Musk

Rodolfo Borges Visualizar notícia
Crusoé: Comunista Flávio Dino é tudo, menos juiz

Crusoé: Comunista Flávio Dino é tudo, menos juiz

Duda Teixeira Visualizar notícia
"Sem anistia!" Para Lula também?

"Sem anistia!" Para Lula também?

Rodolfo Borges Visualizar notícia
Os acertos e omissões do New York Times sobre STF, Lava Jato e fake news

Os acertos e omissões do New York Times sobre STF, Lava Jato e fake news

Felipe Moura Brasil Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.