A vaquinha virtual em Saudades e o brejo do Brasil
O menino Henryque, de 1 ano e 8 meses, sobreviveu ao horror perpetrado numa creche de Saudades, no interior de Santa Catarina, no último dia 4, quando três outras crianças de idade semelhante -- bebês, embora não tecnicamente --, e duas professoras foram esfaqueadas até a morte por um jovem de 18 anos saído de um pesadelo. Com ferimentos no rosto, na boca, na barriga e perfuração em um dos pulmões, Henryque permaneceu na UTI durante seis dias, mas se recuperou e recebeu alta no Dia das Mães. O ferimento da boca vai requerer que ele seja cuidado por um odontologista nos próximos anos. Assim como as outras famílias que têm filhos na creche, os pais do menino ficaram traumatizados com o crime bárbaro e querem murar a sua casa modesta...
O menino Henryque, de 1 ano e 8 meses, sobreviveu ao horror perpetrado numa creche de Saudades, no interior de Santa Catarina, no último dia 4, quando três outras crianças de idade semelhante — bebês, embora não tecnicamente — e duas professoras foram esfaqueadas até a morte por um jovem de 18 anos saído de um pesadelo. Com ferimentos no rosto, na boca, na barriga e perfuração em um dos pulmões, Henryque permaneceu na UTI durante seis dias, mas se recuperou e recebeu alta no Dia das Mães.
O ferimento da boca vai requerer que ele seja cuidado por um odontologista nos próximos anos. Assim como as outras famílias que têm filhos na creche, os pais do menino ficaram traumatizados com o crime bárbaro e querem murar a sua casa modesta. Diego Hubler, pai de Henryque, é almoxarife numa empresa de calçados; a mãe do garoto, Adriana Hubler, trabalha numa empresa de confecções, mas está afastada do serviço para cuidar do pequeno e da filha mais velha, de 5 anos. Para ajudá-los, propuseram-lhes organizar uma vaquinha virtual por meio de uma empresa especializada nesse tipo de doações. Eles aceitaram. A meta estipulada foi de 30 mil reais, dinheiro necessário para cobrir os custos com os remédios que o Sistema Único de Saúde (SUS) não fornece e no transporte regular até Chapecó, cidade onde o garoto deverá passar pelo longo tratamento dentário. Os pais pretendem comprar um carro usado para fazer o percurso.
Em menos de três horas com a campanha no ar, a meta foi atingida — algo pouco comum na plataforma criada há dois anos e que já fez mais de 300 campanhas de arrecadação caritativa. Até sexta-feira passada, o valor alcançado havia sido de R$ 117.121,88. Os pais de Henryque pediram, então, que a campanha fosse encerrada.
Um menino, três Brasis. O Brasil feriu Henryque, o Brasil ajudou Henryque e o Brasil resolveu meter o bedelho na ajuda que o Brasil prestou a Henryque e sua família. O estado nunca decepciona no papel de tutelar os cidadãos, na melhor das hipóteses. A vaquinha virtual levou a que um representante municipal da Belém sem Herodes entrasse em contato com o pai de Henryque. Luiz Fernando Kreutz, assessor jurídico da prefeitura de Saudades, confirmou a este site que procurou a família do garoto para “saber da veracidade da vaquinha e se a família a havia autorizado”. Kreutz afirmou que a prefeitura “não quer nenhum centavo desse dinheiro”.
“A gente sabe que há inúmeras pessoas que tentam usar uma motivação para angariar valores de forma indevida, para dar um golpe. Então, a gente questionou se a vaquinha era verdadeira ou não, porque muita gente estava se questionando se podia fazer ou não a doação. Tomei a liberdade de ligar para a família e perguntar”, disse o assessor jurídico. Muita liberdade, visto que o Estado não tem de enfiar a sua colher tortíssima onde não é chamado.
Não parou por aí. De acordo com Kreutz, o delegado da Polícia Civil responsável pelas investigações do ataque à creche também foi informado da vaquinha virtual e quis saber da família a procedência da iniciativa. “O município não tem nada a ver com essa vaquinha. Inclusive, não quer nem mexer nesse dinheiro. O dinheiro é da família. A preocupação do município foi saber se a vaquinha era verdadeira ou não. Se fosse falsa? Qual seria a repercussão? Eles poderiam estar sendo enganados. Poderia ser uma situação que iria repercutir nacionalmente em desfavor da família. Mas a família autorizou, a principio está tudo legal e agora a utilização desse dinheiro é por conta da família. O município só fez sua parte: [mas] descobriu que é tudo legal e já está fora”, disse o zeloso assessor jurídico, sem perceber a contradição da sua fala — se o município nada tem a ver com a vaquinha, também não tinha que perguntar nada sobre ela.
Kreutz acrescentou que a prefeitura “disponibilizou toda a estrutura necessária para as famílias” vítimas do atentado e que desconhece gastos que os pais de Henryque tenham tido, pelo menos até aqui, com a recuperação do bebê. “Mesmo que venham a ter gastos futuros, o município estaria disposto a ajudar”, disse. Em reservado, porém, um funcionário da prefeitura afirmou “achar estranha” a vaquinha virtual, pois, no entender dele, “não haveria motivo para que a família precisasse de recursos”. “É uma situação bem complicada, não compactuamos”, finalizou. Como se vê, o município estaria mesmo disposto a auxiliar com muita boa vontade a família de Henryque.
Diego e Adriana, está claro, ficaram surpresos com tanta preocupação desinteressada da parte de gente tão importante que, subitamente, descobriu que eles existiam — e descoberta recoberta de desconfiança, porque todo mundo sabe que o problema do país são as pessoas honestas, em especial as mais humildes. Mas, diante do sucesso da vaquinha, eles já haviam decidido terminá-la. Em vídeo divulgado nas redes sociais (assista abaixo), Diego disse que o valor excedente da campanha será doado para famílias que precisam de ajuda na cidade e que tudo será divulgado. “Não vamos usar [o excedente da meta da campanha]. Vamos doar para pessoas que tiverem necessidade e vamos avisando. Nada mais justo do que alguém que fez uma doação saber para que esse valor está sendo usado. Vamos abrir uma conta separada. Todo mundo poderá acompanhar o rastreamento”, afirmou.
Os diligentes funcionários municipais de Saudades, bem como a Polícia Civil da cidade, deveriam ter procurado a empresa Razões para Acreditar, que administra a plataforma Voaa, por meio da qual são organizadas vaquinhas virtuais. Assim como O Antagonista, as autoridades teriam ouvido de Gessica Abe, funcionária da empresa, que o trabalho é “muito transparente”, que a empresa fica com 13% dos valores arrecadados para cobrir custos e mantê-la funcionando — e que não é possível depositar dinheiro na conta de qualquer prefeitura ou qualquer órgão público. “Isso não é possível. O dinheiro será depositado na conta da família. Eles (os Hubler) já nos disseram que há muita gente precisando de alimento e sem trabalho na cidade e eles querem ajudar. Falamos que tudo bem, desde que tenha a prestação de contas”, disse Gessica.
A história dos pais de Henryque é ilustrativa do que ocorre no Brasil: muita gente preocupada com a lisura de vaquinhas virtuais e pouca gente interessada em deter a vaca que segue imperturbável para o brejo.
A vaquinha virtual em Saudades e o brejo do Brasil
O menino Henryque, de 1 ano e 8 meses, sobreviveu ao horror perpetrado numa creche de Saudades, no interior de Santa Catarina, no último dia 4, quando três outras crianças de idade semelhante -- bebês, embora não tecnicamente --, e duas professoras foram esfaqueadas até a morte por um jovem de 18 anos saído de um pesadelo. Com ferimentos no rosto, na boca, na barriga e perfuração em um dos pulmões, Henryque permaneceu na UTI durante seis dias, mas se recuperou e recebeu alta no Dia das Mães. O ferimento da boca vai requerer que ele seja cuidado por um odontologista nos próximos anos. Assim como as outras famílias que têm filhos na creche, os pais do menino ficaram traumatizados com o crime bárbaro e querem murar a sua casa modesta...
O menino Henryque, de 1 ano e 8 meses, sobreviveu ao horror perpetrado numa creche de Saudades, no interior de Santa Catarina, no último dia 4, quando três outras crianças de idade semelhante — bebês, embora não tecnicamente — e duas professoras foram esfaqueadas até a morte por um jovem de 18 anos saído de um pesadelo. Com ferimentos no rosto, na boca, na barriga e perfuração em um dos pulmões, Henryque permaneceu na UTI durante seis dias, mas se recuperou e recebeu alta no Dia das Mães.
O ferimento da boca vai requerer que ele seja cuidado por um odontologista nos próximos anos. Assim como as outras famílias que têm filhos na creche, os pais do menino ficaram traumatizados com o crime bárbaro e querem murar a sua casa modesta. Diego Hubler, pai de Henryque, é almoxarife numa empresa de calçados; a mãe do garoto, Adriana Hubler, trabalha numa empresa de confecções, mas está afastada do serviço para cuidar do pequeno e da filha mais velha, de 5 anos. Para ajudá-los, propuseram-lhes organizar uma vaquinha virtual por meio de uma empresa especializada nesse tipo de doações. Eles aceitaram. A meta estipulada foi de 30 mil reais, dinheiro necessário para cobrir os custos com os remédios que o Sistema Único de Saúde (SUS) não fornece e no transporte regular até Chapecó, cidade onde o garoto deverá passar pelo longo tratamento dentário. Os pais pretendem comprar um carro usado para fazer o percurso.
Em menos de três horas com a campanha no ar, a meta foi atingida — algo pouco comum na plataforma criada há dois anos e que já fez mais de 300 campanhas de arrecadação caritativa. Até sexta-feira passada, o valor alcançado havia sido de R$ 117.121,88. Os pais de Henryque pediram, então, que a campanha fosse encerrada.
Um menino, três Brasis. O Brasil feriu Henryque, o Brasil ajudou Henryque e o Brasil resolveu meter o bedelho na ajuda que o Brasil prestou a Henryque e sua família. O estado nunca decepciona no papel de tutelar os cidadãos, na melhor das hipóteses. A vaquinha virtual levou a que um representante municipal da Belém sem Herodes entrasse em contato com o pai de Henryque. Luiz Fernando Kreutz, assessor jurídico da prefeitura de Saudades, confirmou a este site que procurou a família do garoto para “saber da veracidade da vaquinha e se a família a havia autorizado”. Kreutz afirmou que a prefeitura “não quer nenhum centavo desse dinheiro”.
“A gente sabe que há inúmeras pessoas que tentam usar uma motivação para angariar valores de forma indevida, para dar um golpe. Então, a gente questionou se a vaquinha era verdadeira ou não, porque muita gente estava se questionando se podia fazer ou não a doação. Tomei a liberdade de ligar para a família e perguntar”, disse o assessor jurídico. Muita liberdade, visto que o Estado não tem de enfiar a sua colher tortíssima onde não é chamado.
Não parou por aí. De acordo com Kreutz, o delegado da Polícia Civil responsável pelas investigações do ataque à creche também foi informado da vaquinha virtual e quis saber da família a procedência da iniciativa. “O município não tem nada a ver com essa vaquinha. Inclusive, não quer nem mexer nesse dinheiro. O dinheiro é da família. A preocupação do município foi saber se a vaquinha era verdadeira ou não. Se fosse falsa? Qual seria a repercussão? Eles poderiam estar sendo enganados. Poderia ser uma situação que iria repercutir nacionalmente em desfavor da família. Mas a família autorizou, a principio está tudo legal e agora a utilização desse dinheiro é por conta da família. O município só fez sua parte: [mas] descobriu que é tudo legal e já está fora”, disse o zeloso assessor jurídico, sem perceber a contradição da sua fala — se o município nada tem a ver com a vaquinha, também não tinha que perguntar nada sobre ela.
Kreutz acrescentou que a prefeitura “disponibilizou toda a estrutura necessária para as famílias” vítimas do atentado e que desconhece gastos que os pais de Henryque tenham tido, pelo menos até aqui, com a recuperação do bebê. “Mesmo que venham a ter gastos futuros, o município estaria disposto a ajudar”, disse. Em reservado, porém, um funcionário da prefeitura afirmou “achar estranha” a vaquinha virtual, pois, no entender dele, “não haveria motivo para que a família precisasse de recursos”. “É uma situação bem complicada, não compactuamos”, finalizou. Como se vê, o município estaria mesmo disposto a auxiliar com muita boa vontade a família de Henryque.
Diego e Adriana, está claro, ficaram surpresos com tanta preocupação desinteressada da parte de gente tão importante que, subitamente, descobriu que eles existiam — e descoberta recoberta de desconfiança, porque todo mundo sabe que o problema do país são as pessoas honestas, em especial as mais humildes. Mas, diante do sucesso da vaquinha, eles já haviam decidido terminá-la. Em vídeo divulgado nas redes sociais (assista abaixo), Diego disse que o valor excedente da campanha será doado para famílias que precisam de ajuda na cidade e que tudo será divulgado. “Não vamos usar [o excedente da meta da campanha]. Vamos doar para pessoas que tiverem necessidade e vamos avisando. Nada mais justo do que alguém que fez uma doação saber para que esse valor está sendo usado. Vamos abrir uma conta separada. Todo mundo poderá acompanhar o rastreamento”, afirmou.
Os diligentes funcionários municipais de Saudades, bem como a Polícia Civil da cidade, deveriam ter procurado a empresa Razões para Acreditar, que administra a plataforma Voaa, por meio da qual são organizadas vaquinhas virtuais. Assim como O Antagonista, as autoridades teriam ouvido de Gessica Abe, funcionária da empresa, que o trabalho é “muito transparente”, que a empresa fica com 13% dos valores arrecadados para cobrir custos e mantê-la funcionando — e que não é possível depositar dinheiro na conta de qualquer prefeitura ou qualquer órgão público. “Isso não é possível. O dinheiro será depositado na conta da família. Eles (os Hubler) já nos disseram que há muita gente precisando de alimento e sem trabalho na cidade e eles querem ajudar. Falamos que tudo bem, desde que tenha a prestação de contas”, disse Gessica.
A história dos pais de Henryque é ilustrativa do que ocorre no Brasil: muita gente preocupada com a lisura de vaquinhas virtuais e pouca gente interessada em deter a vaca que segue imperturbável para o brejo.