Madonna x Rio Grande do Sul: o Brasil virou um grande manicômio
Não sei se o país já tem a dimensão do que aconteceu no Rio Grande do Sul
Deixamos o debate público brasileiro ser primeiro contaminado e depois dominado por bravateiros, gritalhões e pilantras em plena era da economia da atenção. Em momentos graves, a atenção continua neles.
Não sei se o país já tem a dimensão do que aconteceu no Rio Grande do Sul, talvez o barulho dos haters nos tenha anestesiado. Vivemos algo como foi o Katrina para os Estados Unidos e o tsunami para a Indonésia. A recuperação será longa e difícil para todos nós.
No meio disso tudo, surgiram uns pervertidos comemorando a tragédia. Dizem que o sul é bolsonarista, vota em liberal como Eduardo Leite, é racista, separatista, todo tipo de “ista”. Daí alegam que as pessoas merecem, debocham do sofrimento, dizem que agora estão sentindo a dor que os nordestinos sentem. Eu imagino a podridão de uma alma que pensa isso. Mas tenho dificuldades para imaginar a burrice de postar. O print é eterno.
Vivemos, ao mesmo tempo, o show da Madonna, um acontecimento pop. Aliás, teve show no Brasil inteiro. Maiara e Maraísa, por exemplo, se apresentaram no próprio Rio Grande do Sul no final de semana.
Quando a cabeça das pessoas é formatada pelas redes sociais, cria-se a impressão de que é necessário decidir entre uma coisa e outra. Ou Madonna ou Rio Grande do Sul. Não é assim. A maioria de nós sentiu a dor dos compatriotas, muitos ajudamos dentro do possível e tocamos nossas vidas. O maquiador de Michelle Bolsonaro, Agustin Fernandez, fã declarado de divas pop, foi ao show da
Madonna e doou R$ 200 mil para as vítimas da tragédia.
Os shows da cantora são muito similares há quarenta anos. Isso mesmo, quarenta anos. Mas tem uma galera que descobriu só agora.
A primeira é a do pessoal que está escandalizado, dizendo que é tudo satanismo. Eles são muito diferentes de quem não gosta da Madonna ou acha que ela exagera na apelação. Esses simplesmente não gostam e não vêem, direito deles. Já os escandalizados sabem mais do show da Madonna do que a própria Madonna.
Passaram o dia todo postando cada detalhe, esmiuçando cada intenção, revendo cada cena erótica. Não é porque gostam nem porque os seguidores gostam mais ainda de fantasiar. São apenas bravos guerreiros alertando os demais que é um conteúdo demoníaco. Afinal, depois de 40 anos, precisa ver e rever o show inteiro da Madonna para adivinhar que tem erotismo.
É apenas uma versão revisitada de um tipo comum há 40 anos, quando Madonna começou a fazer sucesso. A pessoa considerava a televisão dominical uma baixaria, mas sabia exatamente todos os detalhes de todos os programas. Quanto interpelada, respondia que só viu de relance passando pelo quarto da empregada.
Uma novidade no século XXI é a multiplicação dos carolas, que agora estão também à esquerda do espectro político. Há dois tipos que se destacaram muito no final de semana.
O primeiro grupo acha que está num ato político. Foi ver Madonna ressignificar a camisa da seleção. O segundo grupo olha a Madonna mas só consegue pensar em evangélico. Passaram o final de semana inteiro falando de como a cantora irrita os crentes, o evangelistão. Qual o nível de perversão de alguém que vê uma performance erótica com Madonna e Anitta mas só consegue pensar no Malafaia? Complicado.
Nenhum desses grupos carolas pode admitir que gosta do fervo, do erotismo, da sacanagem. Jamais, são superiores. Também é um tipo social revisitado dos anos 1980. Aquele que colecionava revistas Playboy mas jurava que era só por causa da qualidade das entrevistas.
Na era das redes ninguém mais erra, alegrias não são comemoradas apesar das lágrimas, não existe gente com desejos inconfessáveis, frivolidade jamais faria parte da vida. Ao negar o que é profundamente humano, viramos um grande manicômio.
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