Como deixar de ser “emergente” e entrar na “realeza”
Outro dia, em Paris, minha segunda cidade por motivos familiares, eu estava sentado num café, juntamente com a minha mulher, enquanto esperava que o alfaiate do bairro costurasse a barra de uma calça dela e desse o veredicto sobre um pulôver meu esburacado por traças (o pulôver teve a morte decretada, assim como o Danton da estátua da calçada em frente)...
Outro dia, em Paris, minha segunda cidade por motivos familiares, eu estava sentado num café, juntamente com a minha mulher, enquanto esperava que o alfaiate do bairro costurasse a barra de uma calça dela e desse o veredicto sobre um pulôver meu esburacado por traças (o pulôver teve a morte decretada, assim como o Danton da estátua da calçada em frente).
Ao desviar o rosto da fumaça do cigarro de um vizinho de mesa, vi aproximar-se uma figura de camiseta amarela. Bem amarela. Excessivamente amarela. Era um desses advogados que enchem as burras defendendo corruptos pegos pela Lava Jato.
Ele passou na frente da minha mesa e eu fingi que não o vi. Com o rabo do olho, constatei que havia parado a poucos metros e me observava. Nos conhecemos. Ele tentou, digamos, me seduzir quando eu era redator-chefe da Veja, muito antes da deflagração da Lava Jato, para evitar que eu publicasse uma reportagem sobre uma especialidade sua, os embargos auriculares. Como não sou, digamos, seduzível, a reportagem saiu — e onde já não havia simpatia, instalou-se a mais completa aversão da minha parte (e espero que também da parte dele).
Torci para que o causídico me abordasse. Quem sabe não trocássemos insultos? Para mim, teria sido mais estimulante do que a bebida aguada que servem no café próximo ao alfaiate que ajusta e remenda as roupas da família. Ele não me abordou e o amarelo bem amarelo, excessivamente amarelo, saiu do meu campo de visão lateral.
Hoje lá está o sujeito na Veja, só que numa reportagem sobre os advogados que faturam milhões justamente com os corruptos pegos pela Lava Jato. Foi incluído pela revista na “realeza” que ganha até dez milhões de reais de honorários. A “elite” embolsa até oito milhões e “os emergentes”, até cinco milhões. De acordo com a Veja, alguns dos “emergentes” devem muito a esse sujeito da “realeza” que tentou, digamos, me seduzir anos atrás.
Eu tenho certeza de que, se tais “emergentes” se exercitarem bastante na arte da sedução do seu mentor, eles não vão demorar a chegar na “realeza”. E talvez um dia passem na minha frente, vestidos de amarelo bem amarelo, excessivamente amarelo, enquanto tomo o meu café aguado.
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