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Vladimir Putin é o maior russófobo do mundo

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Mario Sabino
5 minutos de leitura 15.03.2022 11:28 comentários
Opinião

Vladimir Putin é o maior russófobo do mundo

Passados vinte dias de guerra contra o invasor russo, a diáspora ucraniana prossegue. De acordo com a ONU, mais de três milhões de cidadãos da Ucrânia já buscaram refúgio em outros países, fugindo dos bombardeios de áreas civis, executados pelo inimigo unicamente para aterrorizar gente comum e vingar-se das sucessivas derrotas no terreno militar -- um crime que, se ainda existe justiça no mundo, deverá ser julgado no Tribunal Penal Internacional, em Haia, com a condenação dos seus perpetradores, especialmente Vladimir Putin (foto). O tamanho desse tragédia humanitária pode ser medido também por outra cifra estarrecedora: de acordo com a Unicef, uma criança ucraniana é obrigada a deixar o país a cada segundo...

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Vladimir Putin é o maior russófobo do mundo
Reprodução/RT

Passados vinte dias de guerra contra o invasor russo, a diáspora ucraniana prossegue. De acordo com a ONU, mais de três milhões de cidadãos da Ucrânia já buscaram refúgio em outros países, fugindo dos bombardeios de áreas civis, executados pelo inimigo unicamente para aterrorizar gente comum e vingar-se das sucessivas derrotas no terreno militar — um crime que, se ainda existe justiça no mundo, deverá ser julgado na Tribunal Penal Internacional, em Haia, com a condenação dos seus perpetradores, especialmente Vladimir Putin (foto).

O tamanho desse tragédia humanitária pode ser medido também por outra cifra estarrecedora: de acordo com a Unicef, uma criança ucraniana é obrigada a deixar o país a cada segundo. Levadas por suas mãe e avós — homens entre 18 e 60 anos permanecem na Ucrânia, convocados para lutar contra os russos –, elas fogem de cidades que ainda não estão cercadas pelos criminosos fardados que, além de bombardear casas, escolas, hospitais e prédios administrativos, cortaram a eletricidade, a água potável e as cadeias de fornecimento de alimentos.

A crescente aversão aos russos na Ucrânia, inclusive entre os habitantes de língua russa do país, é justificável por dados de realidade que se aproximam do horror absoluto. Muitos russos, impedidos de se manifestar pela censura de Vladimir Putin, também sentem vergonha do que seu país está cometendo na Ucrânia. É o caso de dessa mulher corajosa, a produtora Marina Ovsyannikova, que irrompeu durante a transmissão do principal telejornal da Rússia, com um cartaz em que pedia o fim da guerra — e que, antes de fazê-lo, publicou um vídeo numa rede social afirmando que tinha vergonha e arrependimento de trabalhar numa emissora estatal que só divulgava propaganda do Kremlin e colaborava com a lavagem cerebral promovida por Vladimir Putin.

As demonstrações de indignação são esperáveis e desejáveis, porque se está diante de uma agressão promovida por um assassino megalomaníaco, cujo pensamento se encontra congelado em algum lugar remoto do passado, entre o século XVIII, da Rússia Imperial, e a década de 1940, quando a então a União Soviética era governada pelo genocida Josef Stalin, reabilitado por Vladimir Putin. Mas a propaganda comandada pelo Kremlin tenta transformar essa aversão, essa vergonha, essa indignação, que extrapolam os limites geográficos da Ucrânia e chegam ao âmago do espírito humano, em “russofobia”.  Recentemente, por exemplo, o escritor Paulo Coelho escreveu que “a crise ucraniana é um pretexto conveniente para a russofobia

Não existe “crise” na Ucrânia. Esse é um eufemismo indecente semelhante ao que tenta transformar guerra em “operação militar. O que existe, repito, é uma agressão brutal contra uma nação que, na sua fragilidade diante de um dos mais poderosos exércitos da Terra, está mostrando um heroísmo épico. Mas é preciso desmontar principalmente essa palavra: “russofobia. A aversão em relação à monstruosidade que a Rússia está perpetrando na Ucrânia — e que, vez por outra, pode se expressar naturalmente de maneira tão injusta quanto efêmera no que diz respeito a tudo aquilo que representa o país de Vladimir Putin, assim como ocorreu com a Alemanha, na época nazista — nada tem a ver com a “russofobia” que habita as bocas dos culpados e inocentes úteis.

A “russofobia” é uma aberração conceitual usada regularmente por Vladimir Putin e os seus acólitos, para deslegitimar toda e qualquer crítica ao seu revisionismo histórico e às barbaridades cometidas em nome dele. Os franceses Isabelle Mandraud e Julien Théron, que desnudam a estratégia de Vladimir Putin num livro estupendo já citado por mim, Poutine, La Stratégie du Désordre, explicam: “A noção de ‘russofobia”, cambalhota lexical utilizada pelo próprio Vladimir Putin, implica que toda crítica, todo comentário que vai de encontro à aprovação do poder, confinaria com o racismo antirusso. Afora o fato de que a sociedade russa é de uma grande riqueza etnocultural, a crítica das ações políticas de um governo não implica de maneira alguma o ódio pelo povo que ele governa. Pelo contrário. No que criticar a legalidade da anexação da Crimeia constitui uma afronta a Tchaikovski ou Puchkin? O conceito de russofobia, na realidade, é apenas a fusão do presidente, do estado, da nação e da sua cultura, a fim de proscrever toda crítica. Para Anton Shekhovtsov, pesquisador associado do Swedish Institute of International Affairs, ‘o maior russófobo do mundo não é o Ocidente, é o putinismo. Putin (…) pensa que os russos devem ser controlados, que eles não merecem a democracia, que eles não podem autogovernar-se, que eles criariam o caos”.

O putinismo não é um sistema ideológico, mas picaretagem política pura, na forma de colagem, como definem Mandraud e Théron. De acordo com a historiadora francesa Françoise Thom, o putinismo não inventou nada. Ele recuperou elementos eslavófilos, elementos provenientes da nova direita europeia e os transplantou para um substrato soviético. A base é ódio ao mundo ocidental, sobretudo os Estados Unidos. Como os dirigentes soviéticos, ele está pronto a arruinar os russos, contanto que realize as suas ambições em política estrangeira”.

É isso a que estamos assistindo hoje: a uma demonstração da verdadeira russofobia, que é o desprezo de Vladimir Putin pelas necessidades e aspirações dos cidadãos russos, engolfados numa invasão tão cruenta quanto insana, e sobre a qual não têm o direito de se manifestar, para exigir um basta.

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Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

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