Semipresidencialismo não pode ser carro velho vendido como seminovo
Michel Temer defendeu ontem a adoção do semipresidencialismo no Brasil. Semipresidencialismo é o regime no qual o presidente eleito divide as funções de governo com um primeiro-ministro escolhido pelo Congresso. Quando era presidente, Michel Temer, com a ajuda do cidadão Gilmar Mendes (foi assim, se bem me lembro, que o ministro se definiu na ocasião), quis implantar o regime no Brasil, dando um chapéu na Constituição Federal e afastando o plebiscito que seria forçoso segundo a lei, ora a lei. Não deu certo...
Michel Temer defendeu ontem a adoção do semipresidencialismo no Brasil. Semipresidencialismo é o regime no qual o presidente eleito divide as funções de governo com um primeiro-ministro escolhido pelo Congresso. Quando era presidente, Michel Temer, com a ajuda do cidadão Gilmar Mendes (foi assim, se bem me lembro, que o ministro se definiu na ocasião), quis implantar o regime no Brasil, dando um chapéu na Constituição Federal e afastando o plebiscito que seria forçoso segundo a lei, ora a lei. Não deu certo.
De acordo com Michel Temer, ao dividir responsabilidades, o semipresidencialismo serviria para diminuir as crises institucionais que costumam resultar em impeachment: “Quando o governo ou o país vai mal, aponta-se o dedo para o Executivo. Ora bem, se você tiver a execução partilhada com o parlamento, quando você apontar o dedo, você aponta para o parlamento e os parlamentares. Isso gera responsabilidade muito maior para aqueles que também governam, que estão sediados no Legislativo. Ao invés de simplesmente procurar levar verbas para o seu município, a fim de obter votos, ele (parlamentar) vai tentar governar bem, ou opor-se bem. Porque isso vai significar que, nas suas bases eleitorais, ele vai ser reconhecido.”
O ex-presidente acredita que o sistema também contribuiria para a diminuição do número de partidos no país, eliminando as legendas de aluguel: “Se você tem, na situação ou na oposição, cinco ou seis partidos que se coligam para disputar a eleição, e eles mantiverem essa ligação nessa legislatura e na próxima, a tendência natural será que estes colegiados se transformem em um partido único ou em uma força partidária única, embora integrada por várias siglas partidárias.”
Ele aponta ainda um problema no “presidencialismo de coalizão” brasileiro: “O presidente é eleito e só depois é que ele busca obter uma maioria parlamentar. Ele não é governo porque tem maioria parlamentar, mas só é governo porque foi buscar sua maioria depois da sua eleição. E nos dias atuais, mais do que nunca, essa maioria é extremamente instável, é sempre provisória, fruto do número infundado de partidos políticos”.
Volta e meia discute-se a mudança de regime político no Brasil, para dar fim à instabilidade permanente na qual vivemos. Foi assim com o parlamentarismo, que jamais vingou no Brasil, acostumados que estamos à visão sebastianista de presidente salvador da pátria e porque ele sempre teve cheiro, gosto e textura de golpe, como em 1961, quando se quis impedir que João Goulart fosse presidente de fato. Gostamos de chefes supremos (ou poderosos chefões, como demonstram os últimos anos), não tem jeito. Uma questão é saber se o semipresidencialismo, em vez de nos dar dois chefes complementares, não nos daria dois semichefes, o que é ter chefe nenhum. Os pesos e contrapesos não podem dar margem a dúvidas sobre as respectivas competências. A outra questão é saber como evitar que alianças parlamentares aparentemente sólidas se desmanchem no ar pesado do fisiologismo, levando à queda de bons primeiros-ministros — ou à permanência de maus primeiros-ministros que traiam os princípios que deveriam guiá-los.
A segunda questão conduz necessariamente a uma terceira: dá para ter semipresidencialismo com o tipo de eleição proporcional que privilegia os caciques e as suas escolhas pessoais? Não dá. Seria imprescindível introduzir o voto distrital, a fim de que os partidos ganhassem representatividade e, assim, o primeiro-ministro a ser escolhido pelos seus pares tivesse legitimidade política e social. Voto distrital que não seja distritão, bem entendido, que é malandragem para beneficiar os oligarcas de sempre.
A discussão sobre mudança de sistema é válida, desde que a sociedade não seja alijada dela e desde que, uma vez consumada a mudança, ele não sirva para maquiar a podridão visível a olho nu. Semipresidencialismo não pode ser carro velho vendido como seminovo. Hoje, Merval Pereira abordou o tema do semipresidencialismo e terminou o seu artigo com a seguinte pergunta: “como fazer um regime político eficiente com essas balizas morais e utilitaristas que hoje regem a maior parte de nossos partidos políticos?” Esse é o problema subjacente a todos os outros. Podemos trocar o regime, implantar o sistema de votação que for, mas a qualidade dos homens públicos brasileiros parte de um patamar abaixo da crítica, porque a atividade política virou, mais do que nunca, terreno para os espertos, os desonestos e os ignorantes. Tem que mudar isso aí, viu?
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