Por que os Faria Limers usam colete?
Foi em setembro deste ano que o americano Yvon Chouinard anunciou ao mundo que decidiu doar toda a sua empresa para combater as mudanças climáticas. Montanhista, ambientalista e filantropo, Yvon é fundador da Patagônia, uma marca de produtos esportivos "outdoor". Boa parte da sua fortuna de US$3 bilhões, porém, tem origem em um lugar que passa longe das montanhas e do esqui: o mercado financeiro...
Foi em setembro deste ano que o americano Yvon Chouinard anunciou ao mundo que decidiu doar toda a sua empresa para combater as mudanças climáticas.
Montanhista, ambientalista e filantropo, Yvon é fundador da Patagônia, uma marca de produtos esportivos “outdoor“. Boa parte da sua fortuna de US$3 bilhões, porém, tem origem em um lugar que passa longe das montanhas e do esqui: o mercado financeiro.
Os famosos “coletinhos” sem mangas da Patagônia, bem como de concorrentes como a The North Face, se tornaram símbolo de uma transformação recente no mercado financeiro global.
Por aqui, a moda foi adotada pela Faria Lima, o quadrilátero em São Paulo onde se concentram boa parte dos bancos, corretoras e outras empresas do mercado financeiro, além de gigantes de tecnologia.
Há quem diga que o colete é uma adaptação mais moderna dos famosos coletes de operadores na bolsa, na época em que o pregão era feito na base do grito. Mas um olhar pra história recente do mercado, mostra que há algo além de mero saudosismo.
Antes, porém, é preciso reafirmar o óbvio. Códigos de vestimenta podem soar caricatos olhando de fora.
E você dificilmente é o esperto que notou essa piada primeiro. De fato, muito antes de a capa da Veja São Paulo dar um rosto e um apelido aos “Faria Limers” em dezembro de 2019, páginas como “Midtown Uniform” no Instagram, já satirizavam a vestimenta comum no mercado. Ainda assim, há algumas razões, e história, por trás do uniforme do mercado financeiro.
Esse tipo de razão não necessariamente deriva de um efeito prático, o que não chega a ser novidade quando o assunto é moda.
Lembre, por exemplo, que quando Luís XIV recebeu o regimento de mercenários croatas que haviam lutado pela França na guerra dos 30 anos, o seu lenço no pescoço tinha uma função prática de segurar o capacete. Ainda assim, o Rei Sol topou entrar (ou criar), a moda por pura questão estética. Foi assim que ele acabou criando a “cravate”, uma palavra que remonta a “Croata”, e que por aqui chamamos de gravata.
No caso do coletinho, há uma função clara de manter parte do corpo aquecido, sem limitar as funções dos braços. Algo útil para um montanhista ou esquiador.
No mercado financeiro, porém, o colete foi adotado por volta de 2008. Em meio à crise financeira que tomou conta do mundo, os bancos de Wall Street buscavam meios de tornar mais visíveis mudanças culturais necessárias em relação à crise.
A mudança estética ajudou em certa medida. Funcionários, mesmo recebendo menos, passaram a ter liberdade de adotar um estilo “casual”. A sexta-feira tornou-se um dia menos formal, ou “tóxico” como está na moda falar hoje. Algo providencial diante da crise de imagem do mercado neste período.
Nos anos seguintes, em boa parte como consequência da maneira como o FED, o banco central americano, lidou com a crise, esse tipo de medida foi sendo incentivado.
Os juros nos EUA chegaram a se tornar negativos, o que significa dizer que a taxa de juros é menor do que a inflação, o que por sua vez favorece, e muito, o mercado de tecnologia.
Quando os juros pagos por investimentos “sem risco”, como a dívida pública, se tornam baixos, os investimentos de risco, tipicamente envolvendo a aposta em tecnologias que dominarão o futuro, se tornam mais rentáveis.
Wall Street saiu de uma crise estética buscando se aproximar, também visualmente, do Silicon Valley, a região onde estão boa parte das gigantes de tecnologia.
O visual despojado de fundadores e CEOs de empresas do tipo, foi sendo memetizado pelo mercado financeiro, que tentava se aproximar de uma área que não apenas possuía melhor visão do público, como também representava uma ótima oportunidade de ganhar dinheiro.
O visual “Tech bro”, adotado por Jeff Bezos em conferências de tecnologia, acabou sendo o escolhido.
O consultor de imagem Joseph Rosenfeld quando questionado sobre a moda pelo Wall Street Journal, acrescentou ainda um ganho prático na escolha do acessório: os coletes mantém um indicativo para o rosto do usuário, ao contrário de uma gravata, que induz o interlocutor a olhar para baixo.
Na prática, é tudo uma questão de imagem que o mercado busca projetar sobre si mesmo. É um colete que remete a esportes radicais, prático, funcional, que permite identidade de grupo e menos formal do que um terno.
Por aqui, a moda ganhou um grande aliado. A XP Inc. adotou os coletinhos como forma de reforçar sua imagem em contraste aos grandes bancos. Trata-se de uma forma de passar uma imagem mais tech e menos gerente de banco tentando lhe vender um título de capitalização.
Esse, porém, não é exatamente um consenso entre os produtores.
A Patagônia, aquela mesma empresa cujo fundador decidiu doar a empresa para combater mudanças climáticas, já anunciou que pretende parar de estampar marcas de empresas que contribuem negativamente para as mudanças climáticas. Também neste ano, como revelou o Buzzfeed, a The North Face negou suprir uma empresa petrolífera, alegando as mesmas razões.
Com este duro golpe nas indústrias de tecnologia, finanças e memes, as duas empresas dão um indicativo importante de que o mercado será mais uma vez forçado a mudar.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)