O que falta saber sobre o hackeamento de Janja
Vivemos a apoteose da superficialidade. Nas redes sociais, há um desfile de certezas sobre o hackeamento da conta de Janja no X, antigo Twitter. Uma delas, vinda dos governistas, é...
Vivemos a apoteose da superficialidade. Nas redes sociais, há um desfile de certezas sobre o hackeamento da conta de Janja no X, antigo Twitter. Uma delas, vinda dos governistas, é que isso seria evitado com o PL das Fake News. Estamos embolando assuntos.
Ainda não sabemos nem qual é exatamente o problema, mas tem gente trazendo soluções.
Parece evidente que alguém de fora da equipe da primeira-dama fez as postagens abjetas. Ainda falta saber quem seria e, principalmente, como conseguiu o acesso.
As trupes hipnotizadas pela polarização têm várias certezas. Para uma delas, é tudo armação do governo que quer aprovar o projeto das Fake News. Para a outra, a culpa é do Twitter e só o projeto das Fake News resolveria o problema. Nessa lógica, às favas com a realidade.
Há 12 anos, em fevereiro de 2011, houve uma postagem na conta oficial do STF no Twitter que poderia ter gerado uma crise institucional com o então presidente do Senado, José Sarney. “Ouvi por aí: ‘Agora que o Ronaldo se aposentou, quando será que o Sarney vai resolver pendurar as chuteiras?’”.
Na época, a primeira suposição interna era de hacker. Como fiz parte da equipe que implementou as redes sociais da corte, fui informalmente consultada, embora não trabalhasse mais lá. Vários outros foram consultados. A sugestão de primeira providência foi verificar quais dos equipamentos de quem gerenciava a conta estavam ligados a ela no momento. Foi o que fizeram.
No caso, uma funcionária de uma terceirizada era a responsável. Mas não foi de propósito. Ela usava o equipamento para atualizar o Twitter oficial do STF e seu pessoal. Acabou se confundindo.
O caso de Janja é diferente em muitos aspectos. Os invasores aparentemente têm orgulho do que fizeram e buscam notoriedade. Postaram coisas muito pesadas. Não parecem, no entanto, com aqueles hackers tradicionais que vazam mensagens privadas.
Saber o que eles querem é agora tema da Polícia Federal, que tem uma competente unidade de combate ao crime cibernético.
Também é tema saber como entraram. Há inúmeras possibilidades separadas em dois grupos. O primeiro é de que tenham quebrado a segurança da plataforma e invadido. O segundo é que tenham explorado alguma falha na checagem de segurança da equipe de Janja.
A primeira hipótese precisa necessariamente envolver hackers profissionais e isso existe. A segunda pode envolver pessoas com muito menos talento cibernético. A senha pode ter vazado de inúmeras formas. Vingança de alguém que tinha acesso prévio, venda criminosa da senha, compartilhamento indevido da senha, enfim, há muitas hipóteses.
Há quem diga que a conta estava desprotegida, não teria dupla verificação. Por este mecanismo, quando alguém tenta o acesso de um aparelho desconhecido, o aparelho que criou a conta precisa autorizar. Contas administradas por empresas ou por muita gente recebem esse tipo de verificação a todo momento. Se torna automático liberar.
Enquanto as autoridades procuram saber o que aconteceu para depois propor uma solução, fica um questionamento. O governo realmente tem soluções para esse tipo de situação? Até agora não temos notícia das providências tomadas sobre o hackeamento da conta Gov.br da jornalista Andreza Matais. Falei sobre os detalhes da história na minha coluna de 20 de novembro.
É uma conta que dá acesso a praticamente todos os documentos, relação com a Receita Federal, carteira de motorista, título de eleitor, e-social e mais. Até empréstimo consignado pode ser feito por ali. Semanas depois da invasão, não temos resposta de como novas invasões serão evitadas. É este mesmo governo que aparentemente tem uma fórmula mágina para evitar invasões no Twitter.
Falta ainda definir se hackear é certo ou errado. Eu acho errado sempre. Mas o tratamento dado ao hacker de Araraquara, tratado como herói por governistas foi diferente. Já tem quem queira até legalizar eventuais provas que ele tenha conseguido de forma ilegal. No caso do atual hackeamento de Janja, vamos validar também o que ele possa ter conseguido de informações? Eu sou contra.
Mas o caso aqui é de baliza moral. Vivemos um momento da política em que parece impossível separar certo de errado. O certo é o que beneficia meu grupo e desfavorece o meu adversário. O errado é o que beneficia o adversário e desfavorece meu grupo. Dessa forma, é impossível avançar em qualquer tipo de solução real para os problemas.
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