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O Peru e a ferradura que calça muitos jornalistas

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Redação O Antagonista
9 minutos de leitura 14.06.2021 16:44 comentários
Opinião

O Peru e a ferradura que calça muitos jornalistas

Os brasileiros não damos atenção devida ao que ocorre na América Latina, porque relutantemente fazemos parte dela, com nossa língua portuguesa e influências culturais outras que as dos países de língua espanhola. A exceção é do que vai pela Argentina e, mais recentemente, pela Venezuela, por causa do bolivarianismo. O Peru, por exemplo, deixou de habitar uma dobra do nosso universo mental desde a derrocada do Sendero Luminoso, o grupo dissidente do Partido Comunista que aderiu ao terrorismo e massacrou milhares de pessoas na década de 1980, e a ascensão daquele improvável Alberto Fujimori...

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O Peru e a ferradura que calça muitos jornalistas
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Os brasileiros não damos atenção devida ao que ocorre na América Latina, porque relutantemente fazemos parte dela, com nossa língua portuguesa e influências culturais outras que as dos países de língua espanhola. A exceção é do que vai pela Argentina e, mais recentemente, pela Venezuela, por causa do bolivarianismo. O Peru, por exemplo, deixou de habitar uma dobra do nosso universo mental desde a derrocada do Sendero Luminoso, o grupo dissidente do Partido Comunista que aderiu ao terrorismo e massacrou milhares de pessoas na década de 1980, e a ascensão daquele improvável Alberto Fujimori. O país, no entanto, voltou ao nosso noticiário com a conturbada eleição presidencial na qual a direita acusou a esquerda vitoriosa de fraude, no que pode ser antecipação do que deverá acontecer no Brasil, se Jair Bolsonaro perder em 2022. Enquanto muitos jornalistas brasileiros alarmavam-se com essa possibilidade, eu estava mais interessado na criação do imposto único mundial, pauta da última edição da revista Crusoé. Até que o ideário do partido Perú Libre, do presidente eleito Pedro Castillo, chamou minha atenção. A agremiação esquerdista de extração ideológica autoritária foi apoiada pelo PT, que comemorou a vitória do seu candidato e deixou José Dirceu animadíssimo com o que espera ser a nova onda vermelha que varrerá o subcontinente.

Quem me chamou atenção para o ideário do Perú Libre foi o jornalista Rodrigo da Silva, do Spotniks. Ele teve a pachorra de ler a integralidade da estrovenga produzida pelo partido de Pedro Castillo e destacou 10 pontos que julgo espantosos, nos meus contínuos espantos em relação a quase tudo hoje em dia. Não que haja novidades no ideário da esquerda latino-americana. As ideias aposentadas na Europa no século XX permanecem como sempre tentando retomar as atividades por aqui no XXI. A questão é que o programa do Perú Libre não tentou dourar mal a pílula, e essa pílula mal dourada nem foi engolida por jornalistas que fizeram da eleição peruana o seu tema de reportagens e comentários. Eles simplesmente a ignoraram.

Os dez pontos destacados por Rodrigo da Silva são os seguintes:

“1. A criação de uma nova Constituição, ‘que deve resultar na desmontagem do neoliberalismo e plasmar o novo regime econômico do Estado’;

2. A estatização dos ‘setores de mineração, gás, petróleo, hidroelétricos comunicações, entre outros’;

3. O cancelamento de todas as dívidas públicas ‘no país, depois de renegociar os valores iniciais’;

4. A regulamentação da imprensa, defendendo os ‘legados de Lênin e Fidel’ nessa matéria. O Peru Libre abertamente não defende a liberdade de imprensa;

5. O controle dos salários: ‘os salários dos empresários devem ser múltiplos dos salários dos operários, assim um empresário poderá ganhar muito bem’. A ideia é que a diferença entre o salário do empresário e o do operário menos qualificado seja no máximo de vinte vezes;

6.  A geração de empregos pelo ‘estado socialista, por meio da industrialização do país e a o avanço técnico do setor agrícola, entre outros, para garantir bem-estar a 65% dos peruanos de maneira direta e indireta’;

7.  A apropriação pelo estado 70% a 80% dos ganhos das empresas transnacionais;

8. A revisão, regulação ou anulação dos tratados internacionais, que convertem o Peru ‘numa colônia comercial, para sabotar outras potências econômicas contrárias aos interesses dos Estados Unidos’;

9. Declaração da ‘independência latino-americana’, com a convocação dos países vizinhos para estabelecer uma ‘zona não negociável’ com os Estados Unidos;

10. Dificultarão da atuação de ONGs, ‘braços do imperialismo’ que não passam de ‘organizações de outros governos em nossos países’.”

Não bastasse esse conjunto de ideias que avançam para o abismo político-econômico, o candidato Pedro Castillo e seus seguidores têm um histórico de lutas contra gays, como requer o manual do bom stalinista. Poucos tangenciaram o assunto por aqui.

Durante a campanha, o presidente agora eleito suavizou posições dogmáticas da mesma forma que os petistas vêm fazendo desde o início dos anos 2000, a fim de ganhar eleições majoritárias. Mas a extração autoritária está constrangedoramente presente no ideário do partido de Pedro Castillo, e só não se concretizará no Peru se a sociedade conseguir resistir a ela. O PT, que vê a democracia como valor estratégico, não universal, ao contrário do que apregoa aos incautos, foi bastante claro quanto à qualidade do seu apoio na nota de 26 de abril, depois do primeiro turno da eleição peruanas:

“O Partido dos Trabalhadores tem acompanhado atentamente o atual processo eleitoral peruano, marcado por uma disputa acirrada entre diversos grupos de esquerda progressista e de direita, sendo os últimos apoiados pela elite e pela grande mídia do país, manifestamente contrárias ao comando do país por um candidato originário das camadas populares.

O povo irmão do Peru vem sofrendo há muitos anos com governos de perfil neoliberal e subordinados aos interesses do grande capital, das empresas transnacionais e das oligarquias locais, ignorando as necessidades mais básicas de sua população, como saúde, educação, emprego, segurança alimentar e proteção ao meio ambiente.

Em 06 de junho de 2021, data do segundo turno das eleições presidenciais, há duas forças antagônicas, uma de forte apelo e enraizamento popular e outra que busca manter a riqueza produzida no país nas mãos de poucos às custas da mesma situação de exploração geral do povo.

As forças políticas de esquerda e progressistas estão representadas neste pleito por Pedro Castillo, do partido Perú Libre, mais votado no primeiro turno do dia 11 de abril. Sua chegada à cadeira presidencial representará um novo capítulo no mundo político peruano, com a possibilidade de colocar as necessidades da população acima do poder do grande capital. Ele representa um projeto de rompimento com o neoliberalismo, um projeto de inclusão social do povo peruano e de soberania para o Peru.

Por outro lado, a direita aposta todas as suas forças na candidata Keiko Fujimori, do partido Fuerza Popular, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, alvo de inúmeras denúncias e processos judiciais de irregularidades durante seu governo. Sua vitória representaria a manutenção da atual situação peruana, com a continuidade das políticas neoliberais e sem avanços nos direitos sociais.

Ante este cenário, o PT vem a público manifestar seu apoio ao candidato Pedro Castillo e saudar a união de todas as forças políticas de esquerda e progressistas peruanas em torno de seu nome. Estamos certos de que esta união representará uma saída democrática para garantir a vitória das forças populares sobre o neoliberalismo que assola o país.

Para o PT, a verdadeira democracia só se constrói com mais igualdade e justiça social, com o protagonismo e a soberania popular, com a garantia dos direitos à saúde, educação, ao emprego, à segurança alimentar e com políticas de defesa do meio ambiente.”

O dado patético é o alinhamento automático de jornalistas brasileiros aparentemente não ideológicos com o partido de Pedro Castillo, naquele processo de emburrecimento contínuo segundo o qual se Jair Bolsonaro é contra alguma coisa, tem-se de ser a favor dela e vice-versa. Na sua burrice, esses jornalistas não se deram sequer ao trabalho de saber o que pensa o Perú Libre sobre a imprensa. Assim como o PT, o Perú Libre quer controlar a imprensa, como elencado por Rodrigo da Silva. Mas é preciso ler os seus “argumentos”, de resto não diferentes do que é dito à boca mais ou menos pequena, a depender das circunstâncias, em todos os círculos da esquerda latino-americana.

Diz o Perú Libre:

“A direita se refere à liberdade de imprensa como elemento vital da democracia, moralizador da sociedade, à qual lembra constantemente os parâmetros para viver em estado de democracia. Falam da sua nobre missão de garantir que o público esteja bem informado, criticam acidamente os país socialistas de não praticar esse princípio vital para manter a paz social e a liberdade do ser humano, quando na realidade fazem o contrário.

Os meios de comunicação são poderosos instrumentos de domínio, de hegemonia cultural, assim a direita tem a capacidad de fazer crer aos pobre que o que as primeiros beneficia também os beneficia. Sob o termo da “liberdade”, a sociedade permite que qualquer um se arrogue a profissão de jornalistas, não há um requisito mínimo para que alguém pegue um microfone e comece o seu negócio, utilizando como método a chantagem, cujas vítimas são em primeiro lugar os políticos e logo a democracia. Uma sociedade que aponte para a seriedade midiática deve exigir que o jornalismo seja assumido por profissionais que tenham uma formação ideológica e terminar com a improvisação anti-ética e mercantil.

O socialismo não defende a liberdade de imprensa, a não ser a liberdade da imprensa comprometida com a educando e a coesão do seu povo, assim como, na realidade, a direita tampouco crê na liberdade de imprensa, senão com a imprensa comprometida com seus interesses empresariais e financeiros, pois quando ela percebe a existência de um inimigo opta por atacá-lo ou inviabilizar a sua agenda.”

A teoria da ferradura mostra como extrema-esquerda e extrema-direita estão próximas. E essa ferradura anda calçando muitos asnos que deveriam alertar para ela.

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