O perigo das teorias da conspiração O perigo das teorias da conspiração
O Antagonista

O perigo das teorias da conspiração

avatar
Carlos Graieb
5 minutos de leitura 23.01.2022 17:57 comentários
Brasil

O perigo das teorias da conspiração

Para Hélio Angotti Neto (foto), secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, a prova de que as vacinas contra a Covid não funcionam está no fato de que elas são recomendadas por entidades médicas e de que a indústria farmacêutica financia estudos a respeito de sua eficácia...  

avatar
Carlos Graieb
5 minutos de leitura 23.01.2022 17:57 comentários 0
O perigo das teorias da conspiração
Foto: Tony Winston/MS

Para Hélio Angotti Neto (foto), secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, a prova de que as vacinas contra a Covid não funcionam está no fato de que elas são recomendadas por entidades médicas e de que a indústria farmacêutica financia estudos a respeito de sua eficácia.

Com a hidroxicloroquina, acontece o contrário: como especialistas negam a sua eficácia e os testes sobre ela não são “predominantemente financiados pela indústria”, Angotti Neto a considera o remédio realmente útil para combater a pandemia.

Minha proposta neste post é levar Angotti Neto a sério.  

Calma. Não são as declarações do médico olavista sobre vacinas e o “kit covid” que eu proponho levar a sério, mas apenas a possibilidade de que ele acredite de verdade no que está dizendo: que laboratórios e instituições científicas do mundo todo estão mentindo para os 8 bilhões de habitantes da Terra, com a finalidade de ganhar dinheiro, ou até mesmo  realizar um plano ainda mais sinistro…

Dando crédito a Angotti Neto nesse sentido específico, entramos no mundo lisérgico das teorias da conspiração, onde parecem viver, em desassossego perpétuo, grandes fatias do bolsonarismo. 

Alguém vai perguntar: para que fazer isso? A razão é simples, segundo um dos mais conhecidos estudiosos da “mente conspiratória”, o filósofo inglês Quassim Cassam, da Universidade de Warwick: teorias da conspiração se tornaram perigosas. 

Pode até ter existido um tempo em que elas não passavam de maluquices sem consequências, mas episódios como a invasão do Capitólio por adeptos da seita Q-Anon e o falatório do movimento antivacina em meio à pandemia mostram que não é mais assim.

Além de perigosas, teorias da conspiração não podem ser combatidas apenas com informação técnica. Não adianta tirar do bolso o melhor estudo de todos os tempos para embasar um argumento, se o seu interlocutor acha que os autores do estudo são desonestos e têm objetivos malignos. 

Sim, gente que pensa desse jeito existe mesmo. Em 2014, pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, ouviram americanos a respeito de suas percepções sobre o trabalho científico. O resultado mostrou que as pessoas que mais rejeitam os consensos da ciência sobre temas como vacinas ou aquecimento global não são aquelas que têm menos informação sobre esses assuntos, mas as que desconfiam dos cientistas e acreditam que há motivações secretas por trás do seu trabalho

Uma das linhas de estudo sobre o pensamento conspiratório vai em busca das causas psicológicas e cognitivas que fazem uma pessoa olhar o mundo desse jeito. Cassam contribui com essas investigações, especialmente as que dizem respeito aos “vícios intelectuais”. 

Ele afirma que há um padrão de pensamento comum na origem de todas as teorias da conspiração. Esse padrão tem cinco elementos: ele é pré-moderno (“há um punhado de pessoas que controla o mundo”), esotérico (“há causas inimagináveis por trás de tudo”), especulativo (baseado em conjecturas e não em conhecimento), amadorístico (não se importa com as fontes da informação), e “do contra” (“se é óbvio, não pode ser verdade”).

Mas, em “Conspiracy Theories” (2021), Cassam apresenta uma sexta característica das teorias da conspiração, que ele considera fundamental: elas sempre têm um objetivo ideológico.

“O fato de uma pessoa acreditar sinceramente em teorias da conspiração não é incompatível com o fato de aquilo ser propaganda”, diz o autor. “A função real da teoria é promover uma agenda política.” Segundo pesquisas citadas no livro, essa agenda em geral é extremista. 

Nada disso deve surpreender um leitor brasileiro. São explicações estruturadas de coisas que já ficaram claras intuitivamente, depois de três anos de bolsonarismo. 

Tendo em vista o conjunto de traços do conspiracionismo, Cassam menciona três armas que precisam ser usadas em conjunto para combatê-lo.  A primeira é a educação. Eliminar os vícios intelectuais que tornam as pessoas mais inclinadas ao conspiracionismo deve ser uma das tarefas do ensino.

As outras duas armas são para uso em discussões concretas. É preciso ser obstinado e refutar cada informação errada divulgada pelos teóricos da conspiração, pois isso evita que os erros se propaguem. Além disso, é preciso questionar, sempre, o pensamento político e os propósitos de um conspiracionista. 

“A batalha contra as teorias da conspiração não acaba nunca”, diz Cassam. 

Pois é. As loucuras do bolsonarismo terão de ser refutadas e denunciadas até o final de seu mandato.

E depois talvez venham outras, sobre as artimanhas do imperialismo, ou sobre como os Estados Unidos usaram a Lava Jato para derrubar um governo de esquerda. 

Se for assim, a batalha continua. Esperemos que não. 

 

    

 

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Cid implica Braga Netto para salvar delação premiada

Visualizar notícia
2

Moraes mantém delação premiada de Mauro Cid

Visualizar notícia
3

Putin comenta lançamento de míssil e ameaça o Ocidente

Visualizar notícia
4

O papel dos indiciados em suposta tentativa de golpe de Estado

Visualizar notícia
5

Gonet foi contra prisão de Cid após depoimento a Moraes; militar foi liberado

Visualizar notícia
6

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
7

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
8

Crusoé: Thomas Sowell está vivo, Elon

Visualizar notícia
9

Para Bolsonaro, Moraes age contra lei e usa "criatividade" em denúncias

Visualizar notícia
10

Crusoé: Gaetz desiste da nomeação para a procuradoria-geral de Trump

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Mandado contra Netanyahu não tem base, diz André Lajst

Visualizar notícia
2

Bolsonaro deixou aloprados aloprarem?

Visualizar notícia
3

Trump nomeia ex-procuradora da Flórida após desistência de Gaetz

Visualizar notícia
4

PGR vai denunciar Jair Bolsonaro?

Visualizar notícia
5

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
6

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
7

"Não faz sentido falar em anistia", diz Gilmar

Visualizar notícia
8

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

Visualizar notícia
9

Líder da Minoria sobre indiciamentos: "Narrativa fantasiosa de golpe"

Visualizar notícia
10

Fernández vai depor na Argentina sobre suposto episódio de violência doméstica

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

bolsonarismo Hélio Angotti Neto movimento antivacina teorias da conspiração vacinas
< Notícia Anterior

Aposta da Globo, The Masked Singer supera estreia do Paulistão na Record

23.01.2022 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Covid: Brasil registra 135 mil casos em 24 horas, diz Conass

23.01.2022 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Alerta laranja do Inmet para risco de chuvas intensas. Veja as regiões

Alerta laranja do Inmet para risco de chuvas intensas. Veja as regiões

Visualizar notícia
Morre Iolanda Barbosa: Um olhar sobre o Alzheimer

Morre Iolanda Barbosa: Um olhar sobre o Alzheimer

Visualizar notícia
Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
Mega-sena acumula e prêmio do próximo sorteio chega a R$ 18 milhões

Mega-sena acumula e prêmio do próximo sorteio chega a R$ 18 milhões

Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.