O cidadão é sempre a cobaia
Lula decidiu encerrar com uma canetada o programa de escolas cívico-militares instituído por...
Lula decidiu encerrar com uma canetada o programa de escolas cívico-militares instituído por Jair Bolsonaro à margem do Plano Nacional de Educação 2014-2024. No nascimento e na morte, portanto, o chamado Pecim ilustra o voluntarismo dos governantes brasileiros e, no caso desses dois presidentes, o peso das escolhas ideológicas, em desfavor da gestão.
O parecer do Ministério da Educação que embasa a liquidação do modelo cívico-militar não tem uma linha sequer sobre os resultados obtidos pelas 209 escolas que o adotaram. Nada se diz sobre os índices de aprendizado ou sobre mudanças no ambiente escolar.
Nos quatro anos da implantação, os colégios cívico-militares não melhoraram significativamente o aprendizado de seus alunos, segundo dados do próprio Ministério da Educação. Mas eles aproximaram as escolas do entorno social e das famílias dos alunos, fortaleceram o relacionamento entre os professores e suas classes, reduziram casos de violência e depredação e diminuíram os números de abandono escolar – todos esses eram objetivos ostensivos do programa, que deu atenção especial a escolas com um histórico grave de degradação.
Se fosse guiada por evidências, a decisão do governo Lula talvez mantivesse o experimento, se não em todas, em várias das escolas. Em vez disso, optou-se por encerrar o programa sem uma avaliação caso a caso, com argumentos desonestos como o de que as escolas cívico-militares incentivam a “aporafobia” (ou aversão aos pobres). No retorno para o modelo “normal” de escola haverá a tentativa de minimizar o impacto que isso pode ter para os alunos – o que não é tranquilizador.
Nada disso quer dizer que a iniciativa do governo Bolsonaro seja imune a críticas. Como já observado, ela foi levada adiante mesmo sem ter qualquer ligação com o Plano Nacional de Educação em vigor.
A gestão das escolas, entregue aos militares, não se mostrou consistentemente melhor que a realizada por civis. Mas os gastos com a remuneração dos oficiais da reserva chamados a trabalhar no programa se multiplicaram rapidamente durante o governo Bolsonaro, chegando a R$ 64 milhões só em 2022. Para efeito de comparação, só R$ 33 milhões foram gastos nesse mesmo ano com a implementação do novo ensino médio – que tem impacto universal, enquanto os colégios cívico-militares atendem um número ínfimo de alunos.
Esse foi inegavelmente mais um movimento do ex-presidente para beneficiar os militares, a sua “base sindical”, independentemente de outros ganhos que pudessem existir. Sem falar, é claro, do propósito de fazer um contraponto à influência dos professores de esquerda que, na frase inqualificável de Eduardo Bolsonaro, “são piores que traficantes de drogas”.
Essa, enfim, é mais uma daquelas histórias em que um governo implementou um programa ao seu gosto ideológico, apenas para vê-lo desmontado pelo governo seguinte, de sabor ideológico inverso, sem análise mais cuidadosa do impacto da decisão. E o cidadão é sempre a cobaia.
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