Monark deve ir para a cadeia?
Estou entrando tarde no caso Monark, mas não muito. Ele ainda está longe de acabar. Na última quarta-feira, o Ministério Público de São Paulo abriu investigação cível e criminal sobre as falas do "podcaster". A rigor, foi nesse instante, quando o estado entrou em campo para decidir se pune um cidadão por suas palavras, que a discussão sobre liberdade de expressão começou de verdade...
Estou entrando tarde no caso Monark, mas não muito. Ele ainda está longe de acabar. Na última quarta-feira, o Ministério Público de São Paulo abriu investigação cível e criminal sobre as falas do “podcaster”. A rigor, foi nesse instante, quando o estado entrou em campo para decidir se pune um cidadão por suas palavras, que a discussão sobre liberdade de expressão começou de verdade.
O Ministério Público provavelmente vai verificar se Monark realizou alguma das condutas previstas no artigo 20 da Lei do Racismo. Ele prescreve cadeia e multa para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. O fato de as declarações terem sido feitas em um canal de comunicação com grande alcance pode servir de agravante, elevando a pena de prisão para até cinco anos.
A lei existe, está em vigor. Não existe a opção de ignorá-la. Pode-se discutir as suas penas – ou se uma lei desse tipo deveria, de fato, existir.
Para um americano, o que aconteceu na semana passada foi um exemplo do “mercado das ideias” funcionando com o máximo de eficiência. A expressão nasceu com Oliver Wendell Holmes, um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, que escreveu em um de seus votos, no começo do século 20: “o melhor teste da verdade de um pensamento é seu poder de ser aceito na competição do mercado [de ideias]”.
Depois de dizer que “o direito de ser antijudeu” deveria ser reconhecido, assim como deveria ser autorizada a existência de um partido nazista no Brasil, Monark se viu contestado, criticado e repudiado de inúmeras maneiras. Mesmo pedindo desculpas, ele não teve trégua. Personalidades convidadas para o seu programa cancelaram presença Marcas retiraram patrocínio.
Voltando à metáfora, os pensamentos de Monark não prevaleceram no mercado de ideias. Aliás, o próprio Monark foi chutado da praça. Ele teve de abandonar o canal Flow, que ajudou a fundar. Sofreu um rigoroso – e merecido – castigo coletivo.
Nos Estados Unidos, a história acabaria aí. O caso não seria aceito pelos tribunais. Quem defende que a liberdade de expressão seja tratada à maneira americana propõe, em última análise, que não existam punições legais em razão de qualquer coisa que se diga, mesmo que as palavras sejam odiosas para maiorias ou minorias. Há poucas exceções a essa regra, e as manifestações de preconceito ou os discursos de ódio não estão entre elas. Há quem chame a posição americana de “fundamentalismo da liberdade de expressão”.
O Brasil está ligado a uma outra tradição, a europeia. A Convenção Para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, aprovada em 1950 pelo Conselho da Europa, resume bem o espírito da coisa. Seu Artigo 10 garante a todos os cidadãos o direito à liberdade de expressão, mas também estabelece que “o exercício dessa liberdade, por vir acompanhado de deveres e responsabilidades, pode ser submetido a formalidades, condições, restrições ou penalidades prescritas em lei, ou necessárias para uma sociedade democrática”. Segue-se uma lista respeitável de valores em nome dos quais a livre expressão pode ser limitada.
Eu já fui um fundamentalista da liberdade de expressão. Hoje, penso de maneira um pouco diferente. Ideias não são como o espartilho ou a escarradeira. Algumas têm o péssimo hábito de não sumir jamais, não importa quantas vezes sejam refutadas, ou quantas vezes a história demonstre que elas produzem violência, injustiça e crueldade. Dar tratamento jurídico e não apenas “discursivo” a essas ideias perversas é como reconhecer que um criminoso reincidente não merece a mesma leniência de um réu primário.
Também concordo, hoje, com o conceito de “democracia militante”, desenvolvido na Alemanha depois da II Guerra Mundial, e que levou à proscrição de apologias e propagandas do nazismo naquele país. Segundo essa teoria, regimes democráticos devem ter defesas contra ações e discursos que ameacem os seus próprios alicerces. Isso significa, entre outras coisas, poder confrontar na Justiça quem defende a realização de golpes militares, ou trabalha sistematicamente para pôr em dúvida a legitimidade do sistema eleitoral.
Minhas dúvidas se referam ao tipo de castigo que se deve aplicar aos discursos discriminatórios, de ódio ou antidemocráticos. Não me parece que manter um provocador barato como Monark na cadeia por cinco anos seja a solução adequada. Talvez haja outros tipos de justiça para esses casos. Ou será que estou sendo ingênuo?
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