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Lula e Lira no dilema do prisioneiro

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Leonardo Barreto
9 minutos de leitura 18.12.2022 17:20 comentários
Opinião

Lula e Lira no dilema do prisioneiro

O que mais se faz em Brasília nos três meses entre o resultado da eleição presidencial e a definição das mesas diretoras do Congresso Nacional é administrar ansiedades que, não raro, se traduzem em análises baseadas mais...

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Lula e Lira no dilema do prisioneiro
Foto: Ricardo Stuckert

O que mais se faz em Brasília nos três meses entre o resultado da eleição presidencial e a definição das mesas diretoras do Congresso Nacional é administrar ansiedades que, não raro, se traduzem em análises baseadas mais em aspirações do que em fatos. Dois cenários comumente ouvidos sobre a configuração do próximo governo e sua relação com o Legislativo dão a medida de como esse processo ocorre.

O primeiro foi resultado imediato da leitura do resultado da eleição para o Congresso Nacional. Com maioria formada por partidos que apoiaram Jair Bolsonaro e de tendência conservadora, se desenhou que Lula teria que migrar obrigatoriamente para uma posição moderada nas ideias econômicas e contas públicas, repetindo o início de sua gestão em 2003.

Com Lula desconstruindo essa perspectiva por meio de declarações públicas, escolhas heterodoxas para a ocupação de posições econômicas e a apresentação de uma PEC que pulveriza a Lei do Teto de Gastos, passou-se para o outro cenário: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), funcionaria como uma rede de proteção e, se não barrasse a PEC, pelo menos moderaria o apetite do futuro governo, sustentando a narrativa de que o fortalecimento recente do Legislativo se consolidará como um mecanismo imprescindível de checks and balances contra projetos extremistas.

Dilema do prisioneiro

O fato, no entanto, é que nem uma coisa nem outra está acontecendo e os atores envolvidos, mesmo sendo muito poderosos, não conseguem atingir seus objetivos individualmente. Tudo leva a uma situação na qual Lula e Lira dependem um do outro para consolidarem seus projetos de poder, formando um típico dilema do prisioneiro. Essa metáfora, muito usada na literatura de economia, mostra uma situação em que dois ou mais atores podem atingir bons resultados coletivos caso colaborem. Mas, seja porque não há confiança entre eles, seja porque preferem não transigir dos seus objetivos egoístas, optam por caminhos que levam a resultados ruins para ambos.

Realidade

Lula está apostando em uma gestão redistributiva e desenvolvimentista da economia, que será liderada por Fernando Haddad, um político e virtual candidato petista em 2026. Para viabilizar uma agenda que já conta com a oposição de setores influentes da sociedade, Lula precisa formar uma maioria importante. O presidente eleito, no entanto, tem tido dificuldade de acomodar um grupo heterogêneo de aliados formado por petistas, outros partidos de esquerda, representantes de movimentos sociais identitários, aliados que aderiram no segundo turno e, agora, políticos que estiveram com Jair Bolsonaro, mas que sinalizam disposição de formar uma base parlamentar. Para tanta gente, o próximo ministro-chefe da Casa Civil, o ex-governador baiano Rui Costa, anunciou que o gabinete será formado por 37 ministérios.

O xadrez político foi apimentado pela PEC da Transição que, ao pedir ao Congresso recursos fora do Teto de Gastos para investir e colocar para incrementar o Bolsa Família, colocou Lula em uma situação delicada, dependente da ação de Arthur Lira, que aproveita a oportunidade para negociar não apenas sua reeleição, como o PT imaginou, mas também o posicionamento do seu grupo de influência, composto por cerca de 150 parlamentares, no próximo governo. A pedida alta (fala-se dos ministérios da Saúde e de Minas e Energia) criou reações no entorno de Lula que se dividiu entre aconselhar uma composição com o alagoano e encorajar um rompimento antecipado.

Da parte de Lira não é possível desempenhar o papel de fiador do equilíbrio fiscal agora. Isso porque ele precisa garantir as bases para sua reeleição em fevereiro e sabe que gerencia uma base de apoio que não está acostumada e não quer ser oposição. Se ele perder essa questão de vista, correrá o risco de ser abandonado. Portanto, entre seus objetivos de curto prazo e acalmar o mercado enterrando a PEC, ele fica com a própria sobrevivência.

Consta, no entanto, que o presidente da Câmara foi surpreendido em almoço feito recentemente com parlamentares da frente ruralista que se posicionaram duramente contra a PEC da Transição e ecoaram receios do mercado sobre seus efeitos negativos na economia. Isso traz uma questão importante, que é a possível incapacidade de Lira de entregar o dinheiro para o PT sem que haja cortes duros na PEC que agradem deputados reticentes e/ou recompensas generosas do governo capazes de permitir que Lira seduza os 308 votos necessários.

O problema é que nenhuma dessas condições se apresenta até agora. Nem Lula sinalizou reservar boas cadeiras para Lira indicar — ele até tentou ajudar o PT nesse sentido, mudando a Lei das Estatais e abrindo centenas de novas vagas —, nem Lira achou uma maneira de limitar a PEC, tornando-a mais palatável e, mesmo que conseguisse, não tem segurança para fazer cortes que obriguem o projeto a voltar ao Senado, que pode desfazer todo o trabalho e fazer os deputados de bobos.

Acrescenta-se nesta equação a manutenção ou não das Emendas de Relator no Orçamento da União. Ao dividir o direito de indicação de recursos com líderes partidários, como aprovado na semana passada, os presidentes da Câmara e do Senado perderam muito poder de distribuir recursos entre deputados e senadores para obter apoio. Ou seja, os próximos presidentes da Câmara e do Senado ficaram mais fracos e viram líderes de bancada ganharem autonomia.

O que Lula quer

No melhor cenário para Lula, a PEC da Transição passa como saiu do Senado sem que ele tenha rifado bons postos na Esplanada. Ele consegue ir pouco ao Congresso Nacional para pagar suas promessas eleitorais e vê Lira em processo de fragilização controlando menos recursos orçamentários e tendo sua liderança questionada por pouco acesso a cargos. Com os líderes partidários detendo mais autonomia, o Planalto abre negociações diretas com eles e consegue, com o tempo que Lula ganhou com a PEC, costurar uma base sem tanta ingerência de Lira.

O que Lula não quer

No pior cenário, Lula fica sem o dinheiro da PEC, inicia o governo sem uma base parlamentar e precisando aprovar seguidas medidas de crédito extraordinário para não haver paralisia em serviços no governo. Fica em posição de desvantagem, se vê obrigado a ter que ceder muitos cargos ao centrão depois de derrotas importantes e, mesmo assim, fica sem garantia de aprovar a pauta desenvolvimentista em razão da oposição setorial de parlamentares ligados a grupos econômicos e estratos conservadores. Ele perde o tempo que não tem, Haddad se desgasta e se inviabiliza para 2026, deflagrando uma disputa interna no entorno de Lula que compromete perigosamente seu governo.

O que Lira quer

Para Lira, o melhor cenário é obter cargos no governo que garantam sua reeleição e sua liderança sem entregar, no entanto, tudo o que o governo pede na PEC da Transição. Por isso, é forte a ideia de limitar a folga fiscal ao ano de 2023. Mesmo cedendo no caso das Emendas de Relator, Lira se mantém um vetor imprescindível e aumenta sua influência sobre o processo decisório paulatinamente, renegociando espaços em troca de maiorias em cada votação. Tem capacidade de amarrar um aliado na sua sucessão em 2024 e migra para uma posição em um ministério importante.

O que Lira não quer

Em uma conjuntura ruim, Lira demonstra fragilidade na sua reconhecida capacidade de organizar maiorias e, não conseguindo boas posições para a sua base no governo, abre a porta para ver sua liderança questionada. Simultaneamente, joga no lixo a narrativa institucional da necessidade de fortalecimento do Legislativo e vê Lula negociando diretamente com líderes partidários, retomando o controle da pauta. Lira, assim, fica sem apoio interno e externo para seguir, perdendo também capacidade de fazer um sucessor em 2024.

O que é mais provável

Embora os incentivos para colaborar estejam claros, o cenário mais provável é que ambos não se vejam na condição de fazê-lo integralmente. Lula vai sugerir espaços marginais e Lira vai entregar uma PEC limitada. Assim, ambos se resguardam para uma próxima rodada de negociações.

Com a nova formatação das Emendas de Relator, será irresistível para o PT se aproximar dos líderes para conversar sem a intervenção de Lira no intuito de fragilizá-lo.

Tendo sido reeleito, no entanto, o presidente da Câmara vai tentar se antecipar aos esforços de sedução do governo, dando espaços para a oposição e bancadas de setores econômicos, fechando espaços para o PT nas principais comissões e distribuindo relatorias de projetos importantes para deputados não necessariamente alinhados ao governo.

Lira também trabalhará para eleger alguém independente no Senado Federal, possivelmente a ex-ministra Tereza Cristina, estimulando-a a seguir para o PL.

Por sua vez, o PT, que hoje tem dificuldade de dividir espaços com PSD e o União, algo necessário para limitar a influência de Lira, terá que fazer uma reforma ministerial mais cedo ou trabalhar na distribuição de cargos nos estados e autarquias. Para o PT e Lula equilibrarem a relação com Lira, precisarão calar os jacobinos do partido e fazer uma divisão realista de espaços.

Como, no entanto, essa é uma questão difícil para o PT neste início de gestão, é provável que comecem em desvantagem. Suas pautas, assim, terão dificuldade de andar, obrigando a um processo de renegociação constante que exigirá muito mais energia de Lula do que ele parece ter no momento. Portanto, Lira e Lula não vão obter os melhores cenários para ambos, travando uma guerra por espaços contados que fará o novo governo se parecer bastante com o início do segundo governo Dilma.

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