Justiceiros de Copacabana são o símbolo da descrença no Estado
O fenômeno dos Justiceiros de Copacabana transcende a questão da segurança pública. Demonstra a descrença total no Estado. É algo grave, que terá resultados ruins se der errado...
O fenômeno dos Justiceiros de Copacabana transcende a questão da segurança pública. Demonstra a descrença total no Estado. É algo grave, que terá resultados ruins se der errado e também se der certo.
Muita gente tem comparado os justiceiros com o fenômeno antigo do Esquadrão da Morte. São coisas diferentes, embora a forma de agir e o objetivo sejam semelhantes. A diferença é a total descrença nas instituições.
O fenômeno antigo surge na década de 1960, organizado por pessoas que faziam parte do aparato estatal. Eram policiais e ex-policiais, membros do Judiciário e políticos mantidos por empresários.
Agora vemos algo completamente diferente. O cidadão não confia mais nem nas pessoas formadas por essas instituições. A ação fora da lei contra criminosos é agora um fenômeno de vizinhança, arregimentando qualquer um que seja capaz de agir com violência ou truculência.
A ideia de agir ao arrepio da lei é igual. Como o aparato de Justiça não funciona, existe uma ideia de recorrer ao uso da força fora dessa esfera. No passado, essa tarefa era confiada a quem foi formado pelas instituições. Agora não, a confiança nas instituições foi demolida.
A ascensão desses justiceiros ocorreu devido a uma avalanche de fatos no tema da segurança pública. Começa com uma crescente de notícias sobre o fortalecimento do crime organizado. Ao mesmo tempo temos um aumento dos casos de criminalidade comum, principalmente roubos e furtos de celulares em que cidadãos são vítimas nas grandes metrópoles.
O ponto de inflexão foi o espancamento do empresário Marcelo Benchimol, em Copacabana. Ele viu uma mulher ser atacada por um enxame de ladrões e interveio. O esperado era que o roubo fosse frustrado e eles fugissem, algo parecido com o fenômeno em que todo mundo gritava “pega ladrão”.
A ousadia e agressividade surpreendeu. Eles não conseguiram roubar a mulher mas resolveram se vingar do empresário. Ele foi espancado até ir parar no hospital. Obviamente causou revolta.
A polícia conseguiu identificar e prender um dos criminosos. O que poderia acalmar os ânimos acabou acendendo mais revolta. Era um jovem que já tinha nove passagens pela polícia por roubo, furto e tráfico de drogas. Duas delas ocorreram quando ele era maior de idade. Em vez de estar preso, ele estava nas ruas roubando e espancando cidadãos.
Os moradores de Copacabana decidiram reagir. Organizaram grupos de quem está disposto a espancar criminosos para sair às ruas. A chance de dar errado é fenomenal. Ações violentas de grupo tendem a sair completamente do controle.
Suponhamos que ocorra o improvável e não saia do controle. Se a ação popular à revelia da lei der certo, estamos diante de um novo problema. Em todo o país a ideia pode parecer correta e gerar grupos de justiceiros.
Numa visão ingênua, eles seriam pessoas lutando por seus direitos. No entanto, é mais complexo. Estão sendo criados grupos com base na habilidade e vontade de agir com violência. Muita gente que só quer essa oportunidade pode se juntar, sem levar em conta a causa principal. A chance de descambar é enorme.
Já há oportunistas querendo legalizar esse tipo de ação. Existem em diversos países modelos nos quais a população colabora com a força policial. Eles são baseados na confiança nas instituições. As pessoas confiam tanto na polícia e têm admiração suficiente para voluntariar o próprio tempo para ajudar.
Agora é algo diferente. Gente que se sente desamparada pelo Estado e pelas leis resolve fazer justiça com as próprias mãos. Legalizar essa ação significa admitir que o Estado não funciona.
Chegamos a um ponto de inflexão em que seria necessária uma ação sistêmica para resgatar a confiança dos cidadãos. Infelizmente, vemos mais do mesmo, uma ação de enxugar gelo. Alguns bandidos são presos e justiceiros são processados. Isso não interrompe o processo grave que presenciamos.
Resta saber se nossas autoridades sabem como reverter a situação. Mais que isso, se estão dispostas a tomar as providências necessárias.
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