Haddad e Alckmin nadam em raias paralelas
Ainda sem as definições oficiais dos futuros ministros do próximo governo, a transição do governo Lula (PT) está focada nos grupos técnicos e nas falas e posicionamentos públicos de seus membros, coordenadores e do próprio presidente eleito. O dia a dia do processo segue sob coordenação de Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente eleito, que capitaneia coletiva...
*Por Osmar Bernardes Júnior e Rodney Amador
Ainda sem as definições oficiais dos futuros ministros do próximo governo, a transição do governo Lula (PT) está focada nos grupos técnicos e nas falas e posicionamentos públicos de seus membros, coordenadores e do próprio presidente eleito. O dia a dia do processo segue sob coordenação de Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente eleito, que capitaneia coletivas e anúncios dos nomes das equipes.
Além disso, Alckmin também vem agindo politicamente para diminuir as tensões e evitar ruídos entre posicionamentos de esquerda e o mercado, que costuma reagir mal a rumores de que o governo petista adotará medidas heterodoxas. No sábado (26) passado, em evento com empresários, o ex-governador de São Paulo reforçou que o novo governo não revogará nenhuma reforma, como a trabalhista, e manterá compromisso com a saúde fiscal do Estado brasileiro.
Por outro lado, no dia anterior, outro nome forte da transição participou de evento com representantes do mercado: Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação e candidato derrotado ao governo de São Paulo em 2022. Em evento da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), entidade representativa do setor financeiro, Haddad foi recebido como o futuro ministro da Fazenda, apesar de que ainda não há oficialização dessa indicação.
No discurso, o ex-ministro pontuou que falava “em nome do presidente Lula”. Nesse sentido, estava representando a linha econômica que possivelmente será adotada a partir de 2023. Sua participação foi criticada por membros do mercado, que viram o discurso como “generalista”, crítico ao teto de gastos, além de não ter tocado no principal ponto de preocupação dos investidores: a PEC que retiraria certos gastos, como o bolsa família, do teto de gastos nos próximos anos.
Os papéis desses dois nomes, Alckmin e Haddad, na transição representam não só posturas individuais possivelmente conflitantes, mas sim duas linhas políticas que até pouco tempo eram rivais em todo o Brasil, mas especialmente em São Paulo.
Duas formações distintas que representam grupos políticos e de interesse diversos, que por mais que estejam em parceria no momento, não necessariamente possuem os incentivos para continuarem com ela nos próximos anos. Há de se conhecer, portanto, as próprias biografias políticas desses dois destaques da transição e, ao que tudo indica, do próximo governo.
Haddad
Fernando Haddad nasceu no dia do aniversário de São Paulo – 25 de janeiro – em 1963 e é filho de um imigrante libanês que veio para o Brasil trabalhar com a venda em atacado de tecidos. Ainda que não fosse propriamente da tradicional elite paulistana, Haddad teve uma formação muito similar: ingressou aos 18 anos na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, de onde saíram 13 presidentes da República, 45 governadores do estado e 13 prefeitos de São Paulo.
Também começou sua militância como presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, por onde também passaram Michel Temer e Aloysio Nunes. Tanto a faculdade como seu centro acadêmico são reconhecidos em São Paulo como lugares de formação de quadros políticos.
Após se formar, Haddad fez mestrado em Economia e doutorado em Filosofia, ambos pela USP, onde ingressou como professor de Ciência Política em 1997. Além da carreira acadêmica, Haddad também trabalhou como analista de investimentos no Unibanco e foi consultor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), onde participou da equipe que criou a famosa “Tabela Fipe”. E foi a experiência em economia que o colocou dentro dos governos do PT, do qual era filiado desde os anos 1980.
Foi chefe de gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico da cidade de São Paulo e, em 2003, foi assessor especial do Ministério do Orçamento, Planejamento e Gestão, então sob direção de Guido Mantega, atuando no projeto que tornou possível as PPPs no governo federal.
Somente em 2004 passou a trabalhar no MEC e, em 2005, tornou-se ministro. Graças a seu desempenho na pasta, Haddad foi escolhido para ser candidato a prefeito de São Paulo em 2012 – vencendo internamente Marta Suplicy. Após as manifestações de 2013 e da queda da popularidade do PT durante o governo Dilma Rousseff, Haddad não conseguiu se reeleger e perdeu em primeiro turno para João Dória. Ainda tentaria concorrer (sem sucesso) à presidência em 2018 e ao governo do Estado em 2022.
Durante sua ascensão dentro do partido, até atingir a confiança de Lula, Haddad era considerado “o mais tucano dos petistas”, devido a sua trajetória e ao seu perfil professoral e acadêmico. Faz parte de uma geração mais nova do partido, juntamente com Gleisi Hoffmann, Alexandre Padilha e outros, que ingressaram no PT na juventude e iniciaram sua vida política com um partido já institucionalizado e competitivo, diferentemente da geração de Lula, José Dirceu, José Genoino e outros.
Alckmin
A carreira política de Geraldo Alckmin começou com sua eleição para vereador de Pindamonhangaba, pelo MDB, com 19 anos de idade e votação recorde. Nos primeiros dois anos de mandato, assumiu a presidência da Câmara e nos próximos dois foi vice-presidente. Na eleição seguinte, candidatou-se a prefeito e foi eleito.
Apesar de ter familiares políticos da antiga UDN, Alckmin sempre foi candidato pelo MDB, mas não se envolvia diretamente com ações anti-ditadura e mantinha articulações e contatos com políticos tanto da ARENA quanto da oposição. Aliados, colegas e políticas da sua época em Pindamonhangaba, de acordo com biografia feita pelo Valor Econômico em 2006, comentavam que era difícil definir se Alckmin era de centro, direita ou esquerda, já que não se envolvia em polêmicas, nem defendia extremismos e fazia política com malufistas, mdbistas e outros líderes do estado na época do regime militar.
Nos anos seguintes, sua carreira se desenvolveu, com eleições para deputado estadual e federal, com dois mandatos cada. Com a criação do PSDB, ingressou no partido e se destacou por participar da estruturação da sigla no estado, principalmente por meio da abertura de diretórios municipais pelo interior, sendo reconhecido por ser trabalhador e articulador.
Essa postura o levou a ser vice-governador na chapa de Mário Covas, eleito em 1994 e reeleito em 1998. Com a morte de Covas em 2001, Alckmin assumiu o governo e foi reeleito em 2002. Em 2010, candidatou-se novamente a governador e foi eleito, sendo reeleito em 2014.
Em todo esse período de chefe do governo paulista e candidato a presidente, sua rivalidade foi contra o PT, com diferentes candidatos. A polarização que foi criada a nível nacional tinha São Paulo como o microcosmo local, sendo a capital e o estado como campos de batalha entre tucanos e petistas. Nesse sentido, o PSDB foi sendo caracterizado como “de direita”, em oposição ao “petismo”, de esquerda. Entretanto, a história política de Alckmin demonstra que ele nunca se identificou como direita e sua polarização com o PT foi apenas uma questão acidental, encerrada com Jair Bolsonaro e a formação de uma base política abertamente direitista e conservadora.
Trajetórias distintas na órbita de Lula
As articulações locais e o contato com as elites econômicas paulistas podem explicar a posição de destaque de Alckmin na transição e a recorrência de suas falas em defesa de pautas mais ortodoxas, que contrariam a linha petista, o que evidencia uma oposição real de ideias e concepções ideológicas no campo econômico.
Haddad, por sua vez, mesmo tendo um perfil diferente do que o petismo sempre apresentou, não hesita em representar o establishment do partido quando a pauta econômica aperta – um exemplo claro disso é a série de artigos no formato de debate com o economista Marcos Lisboa ainda no final de 2017.
Já foi noticiado que Lula e o Gabinete de Transição cogitam dividir o Ministério da Economia em três, algo próximo do que era antes de Bolsonaro reunir diversas pastas sob a administração de Paulo Guedes. Alguns arranjos possíveis, especulados pela mídia, é que Haddad fique com um futuro Ministério da Fazenda, enquanto algum economista com um perfil mais ortodoxo – como Pérsio Arida, por exemplo, que faz parte do GT de Economia – assuma um futuro Ministério do Planejamento, no qual ficaria, inclusive, o controle do Orçamento.
Num cenário assim, Haddad teria um papel central no governo. Alckmin, por sua vez, já aparenta apresentar um contato com Lula semelhante ao que cultivou com Mário Covas: algo como um co-piloto, que realmente assume o manche na ausência do principal – ainda que, estando em campo, não conseguiu encaminhar sozinho a aprovação da PEC de Transição, que só saiu com o retorno de Lula de sua licença.
*Osmar Bernardes Júnior – Cientista Político e Analista Sênior da Vector Research
* Rodney Amador – Cientista Político e Analista da Vector Research
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