A célebre frase de Lord Acton, “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, parece ilustrar bem a recente polêmica envolvendo o leilão do arroz. As particularidades da história expõem as falhas de um governo que parece ter perdido a mão.
Tudo começa com a alegação de que faltaria arroz no Brasil devido à tragédia no Rio Grande do Sul, nosso principal produtor. Ocorre que os arrozeiros e autoridades locais negaram. A safra de arroz já havia sido 80% colhida, e embora o escoamento estivesse temporariamente problemático no Rio Grande do Sul, as coisas já estavam se restabelecendo. Apesar disso, o governo decide fazer um leilão público de mais de R$ 7 bi para comprar arroz. Cereja do bolo: o produto teria preço tabelado e uma propaganda do governo na embalagem.
O leilão atraiu empresas sem nenhuma relação com o setor, algumas ligadas a membros do governo, outras sem a menor condição de atender à demanda. O escândalo na opinião pública não teve a magnitude que merecia, mas entre os players econômicos, a repercussão foi grande, levando o governo a cancelar o leilão. No entanto, a insistência do governo em seguir adiante com a proposta gera dúvidas.
Este episódio marca uma quebra importante do governo com o agronegócio, um setor com o qual Lula não teve atritos significativos em seus mandatos anteriores. A regulação de preços no Brasil está em jogo: será que será feita pelo mercado ou o governo pode intervir com desculpas que não se confirmam na realidade? A tentativa de tabelar preços derruba o mercado, algo que o setor agrícola, vital para a economia brasileira, não pode permitir.
A perda de controle do governo não se deve apenas à falta de vigilância da imprensa ou de medidas dos outros poderes da república, mas também à falta de participação estratégica do povo, seja de apoiadores de Lula ou críticos.
Muitas vezes, críticos acabam ajudando Lula sem perceber. Quando falam do escândalo do arroz, tendem a compará-lo com outros, como o Petrolão ou escândalos de vacinas, diluindo a gravidade específica deste caso. Se tudo é grave, nada é grave. Comparar um escândalo a outros mais leves suaviza sua seriedade, tornando-o quase normal.
A inteligência estratégica exige tratar cada escândalo com sua especificidade. Comparar o escândalo do leilão do arroz a outros, de forma imprudente, apenas suaviza a gravidade da situação. Muitas pessoas recorrem a esse expediente para tentar fingir que entendem de política. É a praga da sinalização de virtude.
Quando ouvem falar de um caso, do qual não sabem muito, logo fazem a comparação com outro, do qual também não sabem patavinas. Mas citar casos e nomes pode dar a impressão de alguém que entende muito de política, o que alimenta a vaidade. Sem posicionamento estratégico, a indignação justa fica sufocada.
O governo Lula ainda deve muitas explicações sobre a história do leilão do arroz, que pode até ter um “vale a pena ver de novo”.