Gleisi e o estorvo das instituições
A presidente do PT Gleisi Hoffmann disse nesta quarta-feira, 1, que o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto deveria pedir demissão do cargo. A razão para isso, segundo Gleisi: "Ele não tem nada a ver com esse projeto que ganhou nas urnas"...
A presidente do PT Gleisi Hoffmann disse nesta quarta-feira, 1, que o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto deveria pedir demissão do cargo. A razão para isso, segundo Gleisi: “Ele não tem nada a ver com esse projeto que ganhou nas urnas.”
A petista parece acreditar que a vitória nas eleições fez muito mais que entregar o governo ao seu partido pelos próximos quatro anos: transformou-o, na verdade, em um demiurgo – uma espécie de artesão divino, com poderes para recriar a realidade à sua imagem e semelhança.
Não é nada disso. Em qualquer democracia, a vitória nas urnas permite que um partido governe dentro de um marco institucional pré-existente e só faça mudanças segundo os ritos legais, não com bullying e ameaças.
O objetivo da autonomia do Banco Central é justamente impedir que ele esteja sempre a reboque das vontades do governo da hora e possa atuar como órgão de Estado, com metas definidas por motivos técnicos e não só políticos. O mesmo vale para as regras de governança da Petrobras, que incomodaram nesta semana Jean-Paul Prates, presidente da estatal e também petista. Ele reclamou que a empresa conta com um departamento cuja função seria “proibir tudo”.
Jair Bolsonaro também achou que o cargo de presidente vinha com uma licença para demolir instituições que limitavam sua vontade. Tanto ele quanto Lula e o PT compartilham do mesmo narcisismo. Se a autonomia do banco, da agência reguladora e da empresa de economia mista é um estorvo para o “projeto”, cortem-se algumas cabeças e desfaça-se a autonomia.
O eleitor brasileiro costumava reclamar que os projetos de um grupo político quase sempre são interrompidos pelo governo seguinte, atulhando a paisagem de obras inacabadas e serviços públicos capengas.
Mas ficou pior ainda. Temos agora presidentes que trabalham como sabotadores de instituições – essas coisas incômodas que os impedem de agir como querem, na velocidade que desejam.
É claro que existem órgãos públicos que não servem para nada (ou apenas para pilantragens). A estatal do trem bala, por exemplo. Mas as instituições vêm ao mundo, em geral, para atender a alguma necessidade – e refletem alguma espécie de consenso político.
Isso vale tanto para os já vetustos órgãos de controle ambiental que Bolsonaro tentou aniquilar, quanto para o recém-nascido Banco Central autônomo que Gleisi abomina. Esse último não surgiu do nada: foi criado pelo Congresso, depois de anos de debates.
Não é para reinventar o mundo todo em quatro anos que servem as presidências.
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