Ficar rico gastando, a promessa impossível da PEC da Transição
Para disfarçar um aumento de gastos e derrubar qualquer apreço à responsabilidade, o novo governo empurra na PEC da Transição uma noção de "moto contínuo", segundo a qual podemos ficar ricos gastando...
Para disfarçar um aumento de gastos e derrubar qualquer apreço à responsabilidade, o novo governo empurra na PEC da Transição uma noção de “moto contínuo”, segundo a qual podemos ficar ricos gastando. É uma história já vista por aqui algumas tantas vezes.
Foi em 1889 que o governo da recém proclamada República brasileira decidira por uma política inovadora: aumentar a concessão de crédito por meio de subsídios públicos. O objetivo, claro, era levar o país a uma industrialização acelerada.
Bastava ter um projeto e se dirigir a um banco, público ou privado, e o Tesouro Nacional estava disposto a lhe ajudar, bancando parte dos juros.
A impressão de dinheiro por parte dos bancos tornou-se endêmica. Em pouco tempo até mesmo ter um projeto tornou-se desnecessário. O crédito era farto. Não pegar um empréstimo destes era uma loucura que ninguém queria correr.
Nem bem a república havia completado 2 anos, já tínhamos criado nossa primeira crise inflacionária. Como consequência, um novo governo, eleito em 1898, teve de assumir com a inglória tarefa de promover reformas. O Michel Temer da época, Campos Salles, promoveu nosso primeiro ajuste fiscal.
Campos Salles, que terminaria o mandato com o impopular apelido de “Campos Selos”, graças aos impostos criados para permitir um ajuste entre receita e despesa, seria pouco lembrado pela história, mas teve papel fundamental em garantir a existência, ou continuidade, da república.
Durante seu governo, os gastos públicos caíram 25%, renegociamos a dívida externa e estabilizamos a moeda.
O encilhamento, a política de crédito farto (um BNDES avant la lettre), foi a primeira de muitas políticas brasileiras que buscavam o impossível: enriquecer gastando.
Nossa relação com as leis básicas da economia, ou da termodinâmica, são relativamente controversas. Costumamos por aqui estimular governantes que prometem criar um moto contínuo, fazendo o país enriquecer sem ter de passar pelo doloroso processo de mercado que nos obriga a produzir, economizar, investir e aumentar produtividade.
Somos um país que costuma ver com maus olhos a ideia de “risco”, preferindo focar em um caminho fácil, a despeito de nossa história estar repleta de bons sacrifícios e empenho que renderam frutos.
Quer um exemplo? Poucas coisas são tão clichês no Brasil quanto nosso apego à ideia de “natureza abençoada”. Desde Pero Vaz de Caminha quando descreveu ao rei português que nesta terra, “em se plantando tudo dá”, costumamos acreditar que a natureza brasileira é uma vantagem estratégica ao país. De fato, nada poderia ser mais falso.
A natureza joga contra o Brasil desde o princípio. Nossa maior hidrovia nasce há 20 km do mar, mas leva quase 2 mil km para desaguar no Atlântico. Nossa região de maior produção agrícola era um lugar improdutivo até meados dos anos 60. Superamos os desafios com ciência, investimento em técnica e produtividade.
O resultado é que o Cerrado brasileiro é hoje uma das mais férteis regiões agrícolas do planeta. Tudo fruto de investimento focado e uma boa parceria entre o público e o privado, além de cooperação internacional.
Ainda assim, o agro brasileiro, nosso setor mais produtivo, e o único cuja riqueza por trabalhador continua a crescer, é mal visto pela política.
Nossos políticos possuem um certo amor incondicional pela indústria, com pouco apreço por outros setores. Veem na indústria o símbolo do progresso. E apenas nela. E talvez você ache isso batido, ou mesmo repetitivo, mas o clichê do operário que se tornou presidente é provavelmente o maior apelo de Lula para com sua base e militância.
Este é o ponto definidor na carreira de Lula e a razão primária de ter se tornado um símbolo para parte fiel do eleitorado brasileiro, em especial, uma elite intelectual afeita ao marxismo, ainda que Lula não se limite a este público, ele é importante na construção do seu personagem político.
O problema, claro, é que assim como a indústria brasileira, boa parte da nossa elite é refratária às causas do desenvolvimento.
E não se trata aqui de qualquer defesa de um Brasil agrário, mas de uma compreensão ampla do que leva ao desenvolvimento: competição e risco. O agro brasileiro é desenvolvido pois compete com o resto do mundo. Nossa produção de soja por hectare não cresce 4% ao ano pela vontade de Brasília, mas por adotarmos as melhores técnicas, importamos tecnologia e exportamos resultado.
Nosso agro não é produtivo por decisões tomadas em gabinetes, ou em função do gasto público, mas da dinâmica de mercado. E essa dinâmica apavora os amantes do dirigismo.
Essas questões, bem como nosso pouco apreço por reformadores, por estabilidade e por competição, estão expressas na PEC de transição.
A proposta que transita agora em Brasília busca se apoiar em teorias que nos prometem uma riqueza através do gasto. Seria como um nutricionista que lhe recomenda uma dieta baseada em sorvete e um pouco de Coca-cola. Trata-se de algo impossível.
O apelo ao multiplicador keynesiano, uma questão econômica legítima, funciona como um jogo de esconde esconde.
Falamos abertamente sobre aumentar o Auxílio Brasil, algo positivo e de retornos interessantes, como forma de passar junto um aumento de gasto em outras áreas. Como de costume na história brasileira, os pobres servem de pretexto para expandir os privilégios dos ricos.
A distância entre a intenção e a prática é mais do que evidente. Temos uma pretensão de ajudar os mais pobres, vinda de quem lutou contra a reforma da previdência, que equalizou a idade de aposentadoria da classe média (54 anos), com a dos mais pobres (65 anos), contra quem lutou para impedir que empresas de saneamento sejam obrigadas a universalizar o serviço, e contra a reforma que tornou o home office e outras atividades legais perante a lei, a trabalhista.
Temos, em suma, que Lula e o Partido dos Trabalhadores são na realidade o Partido de “certos trabalhadores”, ou o partido dos sindicatos.
A prática petista passa longe das intenções de uma esquerda Social Democrata, que busque incluir, respeite a responsabilidade fiscal e crie formas para a iniciativa privada prosperar e gerar emprego e renda. A proposta da PEC, independente dos seus valores financeiros, inclui valores deturpados de um populismo clássico, repleto de promessas de felicidade, cujas consequências a história brasileira já mostrou serem infundadas.
Somos um país com um histórico de governos perdulários que vivem uma espécie de “dia da marmota”.
Como no filme de Bill Murray (o feitiço do tempo), repetimos incessantemente o mesmo ciclo: gastos, reforma, equilíbrio, gastos. Como lembra Thomas Sowell: quando as pessoas querem o impossível, apenas mentirosos podem satisfazê-las.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)