Eles não aprenderam nada, não esqueceram de nada
Muito antes de inspirar Lin Manuel-Miranda a compor sua música que levaria a criação do primeiro musical da história a atingir $1 bilhão em receita, Alexander Hamilton era conhecido pela marca que deixou na economia americana...
Muito antes de inspirar Lin Manuel-Miranda a compor sua música que levaria a criação do primeiro musical da história a atingir $1 bilhão em receita, Alexander Hamilton era conhecido pela marca que deixou na economia americana.
Nascido em 1755, Hamilton tinha apenas 21 anos quando foi um dos pais fundadores dos Estados Unidos na revolução de 1776. Anos mais tarde, se tornaria secretário do Tesouro, de onde sairia com visões controversas, mas marcantes na história americana.
Hamilton foi o primeiro teórico moderno da ideia de “Indústria Nascente”, uma tese sobre desenvolvimento industrial feita por ele em épocas onde a indústria ainda engatinhava na maior parte do planeta (ou sequer existia).
A despeito de Edward III ter sido o primeiro “protecionista” da história, ao advogar que seus súditos britânicos deveriam comprar produtos “Made in UK”, ainda no século XIV, Hamilton deu corpo a uma teoria econômica nova.
Em essência, as teorias de Hamilton eram relativamente distantes das teorias publicadas por Adam Smith em 1776, na sua “Teoria sobre a Riqueza das Nações”. Hamilton era um industrialista por natureza, enquanto Smith um advogado fiel do laissez-faire.
Hamilton defendia um protecionismo econômico que garantisse o desenvolvimento de uma indústria nos Estados Unidos, uma nação até então jovem que havia se rebelado contra sua potência colonial e berço da revolução industrial, a Inglaterra.
Além das tarifas de importação elevadas, Hamilton advogou pela criação de um Banco Central americano, levando a cunhagem pelo governo de uma moeda nacional, além de intervir no setor de crédito.
Suas ideias, porém, não eram unanimidade. Thomas Jefferson, o terceiro presidente americano, temia que o poder de um banco central pudesse tornar o governo federal americano uma entidade “forte demais” ante os estados e a população.
Os experimentos de Hamilton não duraram, mas ele acabaria entrando para história por meio do alemão Friedrich List, o autor da ideia de “economia nacional”, e um forte defensor da noção de que o Estado deveria ter papel ativo no desenvolvimento econômico, o que leia-se, significa desenvolver a indústria.
Ao contrário de Marx, seu contemporâneo, List focaria seu trabalho no desenvolvimento capitalista. Seu trabalho foi responsável por inspirar nomes como Keynes, além de outras tantas figuras conhecidas pela defesa do papel do Estado na economia.
Nomes como Ha Joon-Chang, ou Mariana Mazzucato, cujas ideias ainda hoje empolgam novos ou velhos economistas, descendem desta linhagem de pensamento. Não há portanto uma grande novidade, exceto pela realidade da economia mundial.
Ao longo das últimas décadas, o mundo tornou-se um lugar mais aberto, com o comércio global crescendo, mais países se integrando comercialmente e uma economia onde o conceito de “indústria” já não é tão claro.
Ainda assim, a ideia de desenvolvimento industrial faz suspirar corações e mentes de políticos e economistas brasileiros, como o novo time que deve assumir o Ministério da Economia e seus diversos órgãos.
A teoria da indústria nascente e as tentativas de implementá-las no Brasil, já poderia se aposentar pelo critério de idade no INSS, ainda assim, entra década sai década, ela se disfarça por aqui de um adolescente disposto a mudar o mundo, sem antes limpar o próprio quarto.
No final da primeira década deste século, um dos seus grandes expoentes, Luciano Coutinho, assumiu o BNDES com o intuito de promover uma rápida aceleração de crédito e investimentos.
Luciano Coutinho, que nos anos 80 ajudou a criar e implementar a Lei da Informática, colaborou ativamente para tornar o PSI, o Programa de Sustentação do Investimento, um colosso, capaz de movimentar R$1,8 trilhão em crédito, dos quais 70% foram destinados a grandes empresas.
Partiu de Coutinho também a busca por criar grandes conglomerados. Ainda que nunca tenha sido uma política oficial, a prática de escolha das “campeãs nacionais”, é um legado da sua gestão.
O banco comandado por Coutinho, que será presidido pelo garoto propaganda do congelamento de preços do Cruzado, Aloizio Mercadante, é ainda hoje peça central em qualquer política a ser adotada neste sentido.
Como Hamilton, List e todos os que o seguiram apontam, o crédito é o instrumento mais poderoso de um governo que deseje planejar uma economia.
Esqueça as obras públicas ou mesmo o orçamento da União. Este está sob júdice do Congresso Nacional, com os olhares atentos da sociedade. Os bancos públicos, porém, são presas muito mais fáceis.
Como apontou recentemente um relatório do Itaú BBA, os 3 principais bancos públicos brasileiros possuem uma capacidade de liberar até R$2 trilhões em crédito.
O processo de limpeza de balanço que foi conquistado a duras penas nos últimos anos, levou a uma desalavancagem brutal, que hoje permite a estes 3 bancos expandir em 20% do PIB o crédito. Este número equivale a 80 vezes o orçamento total do Ministério da Infraestrutura, ou quase 20 vezes o orçamento discricionário do governo federal.
Some-se a isso estatais com caixa e capacidade de investimentos, e não é difícil entender por onde sairá essa “mais nova matriz econômica”. E ao que tudo indica, poderemos mais uma vez parafrasear o historiador francês Jacques Godechot em sua frase “eles não aprenderam nada, não esqueceram de nada”.
Godechot, o autor da frase falsamente atribuída a Talleyrand, descrevia o retorno do Luís XVIII ao poder na França de 1814.
Luis XVIII retornou ao país cercado por emigrantes que fugiram em meio a revolução, com uma mentalidade que ignorava por completo as transformações da França nas duas décadas anteriores. Este erro fatal levaria a um retorno triunfal de Napoleão, e ao fim definitivo da monarquia francesa.
Por aqui, o erro de julgamento é patente. Ainda hoje as teses sobre a Grande Depressão Brasileira de 2014-16 ignoram os erros do governo, atribuindo o fracasso a fatores externos como preço de commodities ou internos como a Lava Jato.
Neste cenário, amplamente defendido por correntes internas do Partido dos Trabalhadores, é de certa forma admirável que alguns nomes, como Fernando Haddad, contrariem os erros, mas é difícil acreditar que Haddad tenha qualquer força própria para contrariar o partido.
Em meio ao caos criado por Dilma Rousseff, Haddad questionou as políticas, mas diante do posto que lhe cabia (prefeito de São Paulo) não teve qualquer poder de agir. Em 2018, diz-se que Haddad buscava um nome mais ao centro, como Pérsio Arida para ministro da Fazenda. Novamente perdeu.
Seu histórico reflete uma série de derrotas internas diante das correntes petistas que glamourizam o “nacional desenvolvimentismo”. E há pouca, ou nenhuma esperança, de que ainda que queira, consiga contrariar este rumo.
Como soubemos por meio do IPEA, o PSI foi o programa de pior custo benefício da história, com centenas de bilhões em subsídios e pouco, ou mesmo nenhum emprego gerado quando olhamos o contrafactual.
Agora, ao que tudo indica, o futuro secretário de Política Econômica, Gabriel Galípolo, irá conduzir algumas mudanças na tentativa de modernizar essa abordagem, com o BNDES atuando como garantidor de crédito privado e buscando fontes alternativas de financiamento além do combalido Tesouro Nacional. No cerne do problema, o estado definindo o rumo da economia, não há mudança.
Galipolo, como não deve-se deixar de citar, é o economista que sugeriu “camisa de força” para quem defendia que teríamos inflação no cenário de pandemia. O economista e professor da UFRJ, defendeu sua tese em 2020, meses antes de o mundo presenciar a maior inflação desde o choque do petróleo em 1979.
Há esperança de que ao menos um dos nomes possa contrariar essa ideia, ou ao menos dar de século 21 a essas teorias. Bernard Appy é filiado ao PT, mas tem bom trânsito no mercado e reconhecido histórico na defesa de uma reforma tributária que simplifique impostos.
Uma reforma tributária é parte importante de um ajuste natural da economia. Hoje, segundo dados da CNI (o sindicato das indústrias, que fique claro), de cada R$100 em faturamento, o setor industrial paga R$46 em impostos, já os serviços R$23 e a agricultura R$6.
Appy terá de mexer em um vespeiro, convencendo o setor de serviços, o que inclui, por exemplo, escritórios de advocacia, de que pagam impostos de menos.
Se for bem sucedido, é possível esperar que a produtividade avance no país, com empresas definindo seus investimentos de acordo com o quanto irão gerar de riqueza, e não mais com quantos benefícios fiscais irão contar.
Essa questão é fundamental para entender o problema da indústria brasileira, que possui subsídios demais competição de menos.
Quando olhamos os poucos países que tiveram avanços em política industrial planejada, como a Coreia do Sul, percebemos que o desenvolvimento da indústria se deu pela competição externa, um fator relegado pelos planejadores brasileiros, e que dificilmente ganhará espaço neste governo.
Lula e os economistas do PT governarão um país mais velho, com um orçamento público comprometido e um Congresso que manda mais do que nunca nos cofres públicos.
Os tempos são outros, as práticas nem tanto. Resta saber se dessa vez será diferente.
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