Bolsonaro e o pequi roído da intimidação judicial
Como a Crusoé noticiou há pouco, em reportagem repercutida por este site, "o Ministério Público Federal arquivou o inquérito policial aberto a pedido do então ministro da Justiça, André Mendonça, para investigar responsáveis por um outdoor que compara o presidente Jair Bolsonaro a um 'pequi roído'. Segundo a Procuradoria, a mensagem não passou de uma posição política de seus autores e está protegida pelo direito à liberdade de expressão"...
Como a Crusoé noticiou há pouco, em reportagem repercutida por este site, “o Ministério Público Federal arquivou o inquérito policial aberto a pedido do então ministro da Justiça, André Mendonça, para investigar responsáveis por um outdoor que compara o presidente Jair Bolsonaro a um ‘pequi roído’. Segundo a Procuradoria, a mensagem não passou de uma posição política de seus autores e está protegida pelo direito à liberdade de expressão”. Nada a ver, portanto, com crime contra a honra de Bolsonaro, como queria fazer crer o Andrezinho, agora novamente advogado-geral da União. O outdoor financiado por um empresário e um sociólogo e instalado em Palmas, capital de Tocantins, dizia o seguinte: “Cabra à toa, não vale um pequi roído, Palmas quer impeachment já!”.
De acordo com procuradora Melina Castro Montoya Flores, que arquivou a investigação, “apontar falhas e criticar a conduta do homem público (ainda que com termos pejorativos e irônicos, como “pequi roído”) constituem dever social do cidadão e se inserem no âmbito dos questionamentos que Autoridades Governamentais estão sujeitas a sofrer”.
Na minha ignorância monumental em relação à natureza, eu não sabia até a celeuma o que era pequi. Trata-se do fruto de uma árvore do cerrado, o pequizeiro. “Pequi roído”, portanto, é algo sem valor, meio estragado. Na minha opinião de cidadão, é uma boa definição para a maioria esmagadora dos políticos brasileiros.
O ponto a ser realçado aqui é que o governo de Jair Bolsonaro, assim como aqueles que orbitam em torno dele, decidiram calar os cidadãos e a imprensa com a velha e má intimidação judicial. Fazem com os adversários aquilo de que acusam os outros de fazer com eles. Tentam amordaçar as vozes discordantes e, no limite, punir quem ousou deles divergir. Felizmente, ainda há procuradores como Melina Castro Montoya Flores e juízes que não levam adiante essa barbaridade. Infelizmente, a intimidação costuma funcionar mesmo assim. O simples pedido de abertura de investigação já é capaz de evitar que outros cidadãos decidam abrir a sua boca para criticar o presidente ou qualquer outra autoridade em termos mais fortes.
A intimidação judicial é fato mais corriqueiro do que se imagina: veículos de comunicação sofrem com o problema ora mais, ora menos. Como isso aumenta os custos com advogados, há aqueles que refreiam o uso de adjetivos. Isso não seria um grande problema (adjetivos sempre deveriam ser usados com parcimônia) se não implicasse também o receio de publicar substantivos — ou seja, reportagens e comentários de articulistas que se atêm estritamente a fatos nada lisonjeiros para poderosos. É aí que se instaura a autocensura, que hoje afeta até integrantes do Ministério Público, ameaçados por exercer o dever de investigar e o direito de expressar as suas opiniões.
Desde que comecei a minha carreira jornalística, há 37 anos, posso garantir que a intimidação judicial e o seu correlato, a autocensura, nunca estiveram tão em voga. Ou tão em toga. Notícias sobre a prática de supostos ilícitos por ministros dos tribunais superiores são quase sempre abafadas por quem deveria publicá-las.
Bolsonaro é um pequi roído, mas não é só ele.
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