Bolsonaro e os “canalhas”
O atual presidente da República acha que pode xingar cidadãos e jornalistas (que também são cidadãos, aliás) em público. Não pode, não, mesmo que se sinta ofendido ou até seja ofendido de verdade, chamado de tudo o que é nome. Ao encarnar a república — e esse é o significado da faixa que recebe ao ser empossado —, ele precisa manter a compostura. Mas Jair Bolsonaro ignora o que seja compostura...
O atual presidente da República acha que pode xingar cidadãos e jornalistas (que também são cidadãos, aliás) em público. Não pode, não, mesmo que tenha sido objeto de ofensa comprovável pelo resto da humanidade, chamado de tudo o que é nome. Ao encarnar a república — e esse é o significado da faixa que recebe ao ser empossado —, ele precisa manter a compostura. Mas Jair Bolsonaro ignora o que seja compostura.
Hoje, ao ser questionado sobre “o orçamento secreto” que existiria para comprar parlamentares na caluda, ou “tratoraço”, o presidente disse o seguinte àquela gente pitoresca que se aglomera diante do Palácio do Alvorada: “Inventaram que eu tenho um orçamento secreto agora. Tenho um reservatório de leite condensado, 3 milhões de latas. Eles não têm o que falar. Como um orçamento foi aprovado, discutido por meses e agora apareceu R$ 3 bilhões? Só os canalhas do Estado de S. Paulo para escrever isso aí”.
No primeiro ano do seu mandato, o Estadão presenteou Jair Bolsonaro com a encadernação das palavras cruzadas boladas por ele e publicadas pelo jornal entre 1971 e 1976. O presente foi dado durante uma visita do presidente ao Estadão. Bons tempos em que Jair Bolsonaro se dispunha a visitar jornal. Hoje, ele gostaria de fechar todos, salvo aqueles que o seu governo financia por meio de propaganda estatal. Jornais podem mesmo ser bastante injustos com um inquilino do Palácio do Planalto. Mas os ossos são de ofício, Jair Bolsonaro, felizmente para a democracia, que tem na imprensa o seu cão de guarda. Se bem adestrada para a sua função, a imprensa vê ladrões o tempo todo — e a taxa de sucesso do cão de guarda é suficientemente alta para justificar a sua existência, ainda que ele morda um ou outro inocente.
A imprensa pode atacar o presidente da República, mas a recíproca não é verdadeira. Esse é o jogo, embora seja difícil entender como a coisa funciona nos trópicos. Liberdade de expressão só tem limite no Direito Penal. Se o presidente se sente caluniado, injuriado ou difamado, que procure a Justiça, como qualquer cidadão. Está no seu direito. O que lhe está vedado, como encarnação da República, é devolver na mesma moeda ou ir além. Não pode xingar, não pode boicotar, não pode intimidar, não pode empastelar (espero que ninguém esteja pensando em fazer essa bobagem). Protestar dentro dos limites da compostura, pode. Esclarecer não só pode, como deve.
Nada do que escrevi adiantará para nada, mas fica o registro. Continuaremos a ser chamados de “canalhas” pelo presidente e a sua canalha.
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