Augusto Aras e o uso bastardo do poder de investigar
O Procurador Geral da República Augusto Aras apresentou alguns números espantosos na manhã desta sexta-feira, ao falar na cerimônia de encerramento do ano judiciário. Segundo ele, sua equipe encaminhou mais de 32 mil manifestações ao STF ao longo de 2021, e analisou uma média de 200 notícias crime por mês...
O Procurador Geral da República Augusto Aras apresentou alguns números espantosos na manhã desta sexta-feira, ao falar na cerimônia de encerramento do ano judiciário. Segundo ele, sua equipe encaminhou mais de 32 mil manifestações ao STF ao longo de 2021, e analisou uma média de 200 notícias crime por mês. Poucos órgãos análogos à PGR devem ter uma carga de trabalho equiparável ao redor do mundo – se é que existe algum.
Uma das medidas que Aras poderia adotar para diminuir um pouco sua carga de trabalho, sem dúvida brutal, coitado, seria a de restringir o uso das “investigações preliminares”, iniciadas por ele cada vez que uma denúncia sobre o presidente da República ou o seu governo despenca sobre a sua mesa. Aras lança mão delas até mesmo quando já existem inquéritos concluídos, conduzidos pela Polícia Federal. Foi o que ele tentou fazer nesta semana.
O PGR pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, que mandasse arquivar um inquérito sobre aquela infame live em que Jair Bolsonaro compilou mentiras sobre as urnas eletrônicas e pôs em dúvida a honestidade das instituições que conduzem o processo eleitoral no Brasil. Segundo Aras, o trabalho já encerrado da PF era redundante, porque uma apuração preliminar sobre o mesmo assunto estava em andamento no seu escritório. Moraes, vejam só, preferiu usar o relatório já pronto – e pediu que o PGR, ele sim, interrompesse o que ainda estava pela metade.
Não sei, não, mas me parece que, se o objetivo era eliminar a redundância, ou a duplicação de trabalho, a decisão faz todo sentido.
Situações como essa são, em parte, produtos da balbúrdia brasileira. Somos um país onde a condução de investigações é bola dividida: tanto a PF quanto o Ministério Público têm amparo legal para fazê-las. Essa é uma briga antiga, com “n” desdobramentos que não vem ao caso explorar neste momento. Fiquemos com o uso que Aras vem fazendo do seu poder de investigar.
Não foi Aras quem inventou a investigação preliminar. A traquitana está disciplinada numa resolução de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Seu objetivo é “apurar a ocorrência de infrações penais de iniciativa pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da ação penal”. Assim, quando uma denúncia chega ao Ministério Público, ele não precisa acionar diretamente a PF. Tem a prerrogativa de escarafunchar um pouco a história, antes de decidir se é o caso de pôr outras engrenagens em funcionamento.
No entanto, quando Aras insiste em jogar no lixo o trabalho dos policiais, ele está subvertendo a lógica da investigação preliminar. Ele não economiza recursos do Estado, não agiliza nem moderniza nada, ao contrário do que prega a resolução do CNMP que disciplinou o uso da ferramenta. O objetivo do PGR é apenas concentrar informações em suas mãos ou, como se diz hoje em dia, assegurar o controle sobre uma “narrativa”.
Diante do relatório da PF, Aras poderia ter simplesmente decidido pela não propositura de uma ação penal. Se fizesse isso, não haveria nem choro nem vela. A história estaria acabada. Ponto final. Por que ele não fez isso?
A delegada responsável pelo inquérito da live sobre o voto eletrônico concluiu que Bolsonaro agiu de forma “direta e relevante” com o propósito “de desinformar e de levar parcelas da população a erro quanto à lisura do sistema de votação”. São palavras duras, que vão aos fatos, dificultando a tarefa de varrê-los para baixo de qualquer tapete. Aras terá de gastar sua retórica para matar esse processo.
Não há razão legítima para descartar um trabalho policial já feito, em nome da abertura de um procedimento alternativo que visa à mesma finalidade. Sobram as razões políticas. O procurador geral tentou preservar a chance de falar sem contraponto, sozinho – como acontece nos seus relatórios de investigação preliminar.
Esse é um uso bastardo do poder de investigar. Não foi à toa que o pedido de Augusto Aras foi rejeitado por Alexandre de Moraes, um ministro do STF egresso do Ministério Público.
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