Ataques em escolas não podem ser vistos apenas como caso de polícia
O governador de São Paulo Tarcísio de Freitas foi incomumente franco ao reconhecer que o governo do estado falhou diante do ataque a tiros que deixou uma adolescente morta e três feridos na Escola Estadual Sapopemba, nesta segunda-feira (23). A preocupação do governador paulista deveria ser de todo o Brasil...
O governador de São Paulo Tarcísio de Freitas foi incomumente franco ao reconhecer que o governo do estado falhou diante do ataque a tiros que deixou uma adolescente morta e três feridos na Escola Estadual Sapopemba (foto), nesta segunda-feira (23). Em março, uma professora foi assassinada em um incidente semelhante, na zona oeste da capital paulista. “É momento de fazer uma profunda reflexão sobre aquilo que a gente tem colocado em prática desde a ocorrência em março”, disse Tarcísio.
A preocupação do governador paulista deveria ser de todo o Brasil. Segundo a pesquisadora Telma Vinha, da Unicamp, de fevereiro de 2022 até hoje, o país registrou 21 ataques em escolas, com um saldo de 11 mortes. Trata-se de uma enorme aceleração nesse tipo de crime, que havia sido registrado 15 vezes ao longo das duas décadas anteriores.
Os Estados Unidos, com um longo e triste histórico de assassinatos e até mesmo massacres em escolas, dispõem de conhecimento que pode ser utilizado no Brasil. Importantes universidades americanas, como a de Chicago e de Colorado Boulder, têm centros de estudo que se dedicam com afinco a esse tema. O próprio governo federal americano tem conduzido pesquisas periódicas para impedir que as estatísticas piorem.
O que emerge de maneira consistente desses estudos é que os jovens que realizam esse tipo de ataque costumam dar sinais de estar à beira de uma explosão violenta. Às vezes, até mesmo anunciam a intenção de realizar o atentado. A melhor maneira de evitar que a tragédia ocorra é ter funcionários, professores, pais e até mesmo alunos treinados para identificar esses sinais, comunicá-los a tempo e permitir que algum protocolo de prevenção seja acionado.
A ideia é formulada assim no relatório de 2021 do Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos sobre ataques em escolas: “A violência realizada em escolas é prevenida quando a comunidade identifica sinais preocupantes e intervém. Em cada caso, uma tragédia foi evitada quando membros da comunidade relataram ter observado comportamentos que causavam preocupação. Por que uma intervenção de profissionais de segurança pública se seguiu aos relatos, a ameaça foi evitada e vidas foram salvas.”
Sapopemba oferece um exemplo de manual desse tipo de incidente. O jovem que atacou os colegas tinha um histórico de conflitos dentro da escola. Sentia-se rejeitado e dizia sofrer bullying. Chegou a registrar dois boletins de ocorrência por causa desses desentendimentos. Há duas semanas, disse dentro da escola que planejava um massacre.
Os alunos não acreditaram nas ameaças do colega. A comunicação entre a delegacia que registrou os boletins de ocorrência e a escola ou não existiu, ou não se deu de maneira a acender um sinal de alerta. Embora houvesse psicólogo na escola, o adolescente não chegou a ser identificado como alguém que poderia, de fato, cometer um ato extremo de violência.
Se políticos como Tarcísio de Freitas querem mesmo impedir que casos como esse continuem se multiplicando, precisam, antes de mais nada, fazer uma admissão difícil: a de que muitas escolas brasileiras se tornaram ambientes para onde a raiva de jovens de um certo perfil psicológico e social tende a ser direcionada, com horríveis consequências. Levar a sério pesquisas como a do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar, o Conviva SP, mapear pontos críticos e agir com base nos dados é fundamental.
Em segundo lugar, terão de reconhecer que apenas medidas policiais como aumentar a ronda escolar da PM, contratar seguranças e instalar câmeras ou detectores de metais não serão suficientes para impedir tragédias. Nos Estados Unidos, tornou-se comum a utilização de “school resource officers”, que são policiais especialmente treinados para atuar no ambiente escolar. Eles têm sido importantes na prevenção de ataques, mas é importante pôr ênfase nos fatores que permitem que isso aconteça: são agentes que desenvolvem laços de confiança com os alunos e que receberam, vamos repetir, treinamento especial.
Se as mortes em colégios forem tratadas apenas como casos de polícia, o socorro chegará sempre atrasado. Quem trabalha ou estuda nas escolas e quem vive ao redor delas precisa ser ajudado a entender o problema, treinado para ajudar alunos que apresentam um comportamento preocupante e também, em última análise, para detê-los, antes do pior.
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