Ao assumir-se gay, Eduardo Leite cria um fato político Ao assumir-se gay, Eduardo Leite cria um fato político
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Ao assumir-se gay, Eduardo Leite cria um fato político

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Mario Sabino
6 minutos de leitura 02.07.2021 11:24 comentários
Opinião

Ao assumir-se gay, Eduardo Leite cria um fato político

É admirável que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tenha assumido ser gay no programa de televisão Conversa com Bial. A homossexualidade tem de deixar de ser um tabu também na política, em especial nos Poderes Executivo e Judiciário. No Legislativo, continua a ser objeto de certa hipocrisia, mas há parlamentares que já declaram a sua orientação sexual sem receio de ser discriminados...

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Mario Sabino
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Ao assumir-se gay, Eduardo Leite cria um fato político
Foto: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini

É admirável que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tenha assumido ser gay no programa de televisão Conversa com Bial. A homossexualidade tem de deixar de ser um tabu também na política, em especial nos Poderes Executivo e Judiciário. No Legislativo, continua a ser objeto de certa hipocrisia, mas há parlamentares que já declaram a sua orientação sexual sem receio de ser discriminados.

De certa forma, o segredo não era nem de Polichinelo. Ainda assim, a autodeclaração de Eduardo Leite foi ato de coragem que merece ser aplaudido. Quando um expoente de qualquer área assume ser gay, o estigma se enfraquece de modo a beneficiar os cidadãos anônimos que ainda padecem com o preconceito e violência dele decorrentes. O exemplo de Eduardo Leite deveria estimular a que outras pessoas de renome, nos diferentes campos, saíssem do armário. Não há nada mais triste do que observar homens e mulheres proeminentes que ainda tentam esconder a sua condição — não só ao público em geral, mas como à própria família. É causa de dor não só para elas próprias, mas para os seus próximos.

O que gostaria de ressaltar aqui é que, ao assumir ser gay, Eduardo Leite criou um fato político. Possível candidato a presidente da República pelo PSDB, o governador do Rio Grande do Sul, com a sua revelação (menos para os gaúchos), atrai em primeiro lugar a atenção de milhões de eleitores. Se ele era nome que permanecia relativamente desconhecido no plano nacional, já não o é mais. Basta ver a repercussão que a sua fala no programa de televisão teve no Brasil inteiro. Ele domina os comentários nas redes sociais e os veículos de comunicação repercutem positivamente a sua coragem e tranquilidade ao abordar a sua própria sexualidade. Tornar-se conhecido, obviamente, é uma grande passo para se tornar competitivo.

O segundo ponto importante é que o fato de se declarar gay cria simpatia que se espalha em círculos concêntricos a partir da comunidade de cidadãos que têm orientação sexual diversa. Boa parte dos jovens heterossexuais passará a admirá-lo e a identificar-se com ele. Afinal de contas, com apenas 36 anos, Eduardo Leite é também um jovem que espelha uma geração livre das amarras de valores retrógrados. Essa juventude, acredito, poderá angariar votos para o eventual candidato entre os seus pais, fazendo-os ver que os seus preconceitos são desprovidos de qualquer sentido.

Há ainda um fato relevante: o fato de ser gay assumido torna Eduardo Leite capaz de superar resistências no eleitorado autodenominado progressista. A esquerda já não terá mais a exclusividade da bandeira com as cores do arco-íris. Eduardo Leite poderá contar, acredito, com muitos cabos eleitorais no meio artístico e intelectual. Além disso, será mais difícil fazer ataques pessoais, especialidade do PT e adjacências, a um governador que teve a coragem de assumir-se homossexual. O desnorteio nas hostes petistas e auxiliares com a perda do “monopólio” já está evidente nas redes sociais, onde tentam contrapor Jean Wyllys a Eduardo Leite, afirmando que o primado da coragem é o do ex-deputado. O próprio Wyllys não se conteve, ao afirmar no Twitter: “Quando se é branco, rico e soldado da plutocracia e do neoliberalismo que ‘não tolera’ a homofobia porque LGBTQ viraram nicho de mercado rentável, fica fácil ‘assumir-se’ gay (ainda que se negando) e catalizar a solidariedade acrítica dos cúmplices e ingênuos”. Sujeito atormentado, esse Willys.

Mesmo entre o eleitorado mais conservador, Eduardo Leite poderá conquistar votos, como já o fez quando se elegeu governador do Rio Grande do Sul, um estado de grande peso na federação. Ele tem se mostrado um administrador responsável, amigo da livre-iniciativa e com um discurso racional em relação à pandemia. O fato de ser gay assumido não ofusca a competência mostrada até o momento. Pelo contrário, mostra a quem ainda imaginava que assim não fosse que sexualidade e capacidade administrativa e honradez não têm vasos comunicantes.

Dentro do PSDB, uma eventual candidatura de Eduardo Leite representaria uma lufada de ar num partido carcomido por caciques envelhecidos na idade e nos métodos e que tem em João Doria uma figura muito antipática entre os eleitores. Ele, que já contava com o apoio dos adversários do governador paulista, como Aécio Neves, talvez veja aumentada a sua base nas prévias que escolherão o candidato tucano ao Planalto. Se o país procura um antípoda ao sociopata Jair Bolsonaro, fora da polarização com Lula, cacique da esquerda com ficha criminal extensa, Eduardo Leite tem a chance de se apresentar como opção.

O governador gaúcho demonstrou ser corajoso e bom de cálculo político ao sair do armário, embora não estivesse propriamente dentro dele — e o cálculo, aqui, é elogiável, não deve ser visto como demonstração de oportunismo. Se é para se lançar candidato ao Planalto, que a sua sexualidade seja explorada positivamente por ele, não negativamente por gente indecente. A sua frase a Pedro Bial é emblemática nesse sentido:

“Eu nunca falei sobre um assunto que eu quero trazer pra ti no programa, que tem a ver com a minha vida privada e que não era um assunto até aqui porque se deveria debater mais o que a gente pode fazer na política, e não exatamente o que a gente é ou deixa de ser. Eu sou um governador gay e não um gay governador, tanto quanto Obama nos Estados Unidos não foi um negro presidente, foi um presidente negro. E tenho orgulho disso.”

A comparação com Barack Obama lhe foi muito adequada e feliz. Como o ex-presidente americano, ele pertence a uma minoria vítima de preconceito, mas não precisa ser visto como tal. E assim como Obama, ele deve ser enxergado como uma figura de centro-esquerda, que constitui o âmago ideológico do eleitorado tucano, mas igualmente capaz de cativar eleitores de ambos os lados do espectro político que estão fora dos extremos.

Eu diria que, ao assumir-se gay, Eduardo Leite posiciona-se de maneira bastante efetiva para ser a terceira via.

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Mario Sabino é jornalista, escritor e sócio-fundador de O Antagonista. Escreve sobre política e cultura. Foi redator-chefe da revista Veja.

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